Capas de DVDs - Capas de Filmes e Capas de CDs

Mostrando postagens com marcador Espaço Portugal. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Espaço Portugal. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 10 de julho de 2012

Espaço Portugal – O Assalto ao Santa Maria (2010)


De Francisco Manso
Com Carlos Paulo, Leonor Seixas, Pedro Cunha

A 22 de janeiro de 1961, Henrique Galvão e um pequeno grupo de homens portugueses e espanhóis opositores aos regimes fascistas que dominavam então os seus países levaram a cabo a mais simbólica manifestação política de oposição ao Governo de Salazar – A Operação Dulcineia.
O paquete de luxo Santa Maria, que transportava através do Atlântico passageiros das mais diversas nacionalidades e quadrantes políticos, foi tomado de assalto ao largo das Caraíbas em águas internacionais. Henrique Galvão e todos os homens do Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação transformaram assim aquela pequena parcela de território português flutuante num baluarte de liberdade. 


O realizador, que tem dado provas de enorme consciência política nos argumentos que utiliza (lembremo-nos, por exemplo, do mais recente O Cônsul de Bordéus), utilizou, de novo, a matéria da História recente do nosso país e toda a aura de heroísmo romântico que intrinsecamente tem para transformar as nossas memórias coletivas num inegável monumento histórico.
Mais do que de arte, e ela não está alheada de todo deste filme, é de recriar a História, o momento em que ainda não se sabia qual seria o desfecho que tudo teria, que se trata. Contudo não podemos deixar de salientar a magnífica interpretação de Carlos Paulo como Henrique Galvão e também a espontaneidade genuína de Leonor Seixas que confere à personagem que interpreta. O romance entre a jovem Ilda e Zé Ramos (Pedro Cunha) é a componente novelesca da obra, um ténue mais ainda assim também ele simbólico fio condutor daquele que foi um notável, tão notável que ainda hoje não conseguimos entender bem toda a sua dimensão, ato de coragem de um grupo de homens liderado por Henrique Galvão e apoiado por, então exilado no Brasil, Humberto Delgado. O filme fez-me pensar, como certamente fará a muitos dos espetadores perante o atual panorama político, se esta fibra de homens terá de todo desaparecido.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Espaço Portugal – O Crime do Padre Amaro (2005)

Realizado por Carlos Coelho da Silva
Com Soraia Chaves, Jorge Corrula, Ruy de Carvalho

Inicialmente concebido como uma mini-série de televisão, O Crime do Padre Amaro é a segunda adaptação à grande tela do muito conhecido romance de Eça de Queirós. A primeira destas adaptações, curiosamente, e tal é a universalidade do tema abordado, surgiu no México em 2002.
A questão da luta desumana entre a obrigação de celibato dos padres e os seus desejos sexuais aqui tratada chocou tanto em 1875, altura da publicação da obra, como em 2005 quando Carlos Coelho da Silva, a partir de um argumento adaptado por Vera Sacramento, ousou mostrar ao público as mais arrojadas cenas de sexo do cinema português. À fortíssima carga sexual deste filme certamente não é alheia a sensualidade suprema de Soraia Chaves. Nesta obra, o crime do padre de Leiria é transposto para um bairro degradado da periferia de Lisboa onde o jovem Amaro (Jorge Corrula), acabado de sair do seminário, conhece Amélia (Soraia Chaves), encontro que o leva a questionar todos os valores e espirituais que até aí tinha como certos.


Esta recontextualização insere o filme tanto na tradição da adaptação ao cinema de clássicos da literatura portuguesa como na tendência mais recente para centrar a ação em zonas degradadas da periferia, conseguindo ainda inovar extraordinariamente ao atingir em cheio a sexualidade dos espetadores e os levar a sentir empatia com o jovem padre. Num país ainda muito conservador e machista, esta coragem não só deu celebridade a Soraia Chaves como marcou decisivamente o imaginário sexual de muitos adolescentes e não só.
O filme agrada-me particularmente por estas razões. Sexo, literatura, cinema, crítica social e moral são muito bem conjugadas numa obra que, sem pretensões intelectuais, atinge no âmago uma das questões tabu da atualidade. Soraia Chaves consegue relegar para terceiro plano todas as demais interpretações, o ritmo é muito forte e todos os elementos são sobrepostos de forma exemplar. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

Espaço Portugal - A Esperança Está Onde Menos se Espera (2009)

Realizado por João Botelho
Com Ana Padrão, Virgílio Castelo, Carlos Nunes

O pouco provável argumento de Manuel Arouca foi o pretexto para uma incursão na vida do bairro degradado do Alto da Cova da Moura. Lourenço Figueiredo (Carlos Nunes) vê-se aos quinze anos numa posição extraordinariamente difícil. Habituado a uma vida de luxo que o facto de o pai (Virgílio Castelo)  ser treinador de futebol de alta competição lhe proporcionava, de repente perde tudo. A recusa do pai em aceitar pacificamente os esquemas de corruptos dos seus superiores para garantirem vitórias e consequentemente o seu futuro profissional, leva-o a um humilhante desemprego e à perda gradual de todos os seus bens. A mãe, Helena (Ana Padrão),  abandona-os, indo para Angola onde espera conseguir dinheiro suficiente para garantir o futuro do seu filho. Lourenço por seu turno vê, impotente, este desabar da sua família e sofre diretamente as consequências ao ser obrigado a mudar de escola mergulhando numa realidade bem diferente da sua. De um dos mais conceituados colégios passa para a escola da Cova da Moura onde tem de se integrar, descobrindo nesse processo uma forma de vida muito mais dura mas também muito mais humana.


O desejo de denunciar a corrupção institucionalizada no meio futebolístico nacional, ou ainda o de demonstrar a vivência dentro de um bairro como o da Cova da Moura, não são suficientes para fazer o espetador esquecer os muito débeis diálogos e a ingenuidade da presunção de que o Bem se encontra do lado das classes mais desfavorecidas e o Mal do lado dos poderosos. As interpretações de Virgilio Castelo, Ana Padrão e Carlos Nunes são irrepreensíveis mas destoam da falta de capacidade de nos convencer de grande parte do restante  elenco. "A Esperança Está Onde Menos se Espera" peca por ser um filme tão ingénuo como o próprio título e ainda que coerente com as preocupações sociais do realizador fica muito aquém do trabalho a que nos tem habituado.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Espaço Portugal - Douro, Faina Fluvial (1931)

Realizado por Manoel de Oliveira
Com população da zona ribeirinha do Porto

Com uma câmera de filmar de 35 mm oferecida pelo pai e depois de assistir a Sinfonia de uma Capital (“Berlin, Symphonie einer Grosstadt”) de Walter Ruthmann, Manoel de Oliveira, fortemente influenciado também pela vanguarda soviética, principalmente pelo trabalho de Vertov, roda com meios muito limitados a segunda sinfonia urbana portuguesa.
A vida das gentes do rio, o ritmo aluciante da faina, imprimem no realizador uma tal impressão que as filma  de forma contemplativa, como um observador apolítico que pasma perante esta manifestação de vida. Quando o filme é apresentado, em setembro de 1931, no V Congresso da Crítica que decorreu em Lisboa, o público não compreendeu e preocupou-se sobretudo com a imagem do país,  que daí podia advir, invocando um perigoso nacionalismo e desprezando toda a compontente artística da obra. Foram dois nomes de grande prestígio internacional, o dramaturgo Pirandello e o crítico jornal Temps, Émile Vuillermoz, quem compreendeu o valor da obra e a promoveu além fronteiras.


A película, que tem apenas 20 minutos, teve ante-estreia em Lisboa, no Cinema Tivoli, acompanhando "Gado Bravo" de António Lopes Ribeiro. A técnica de montagem, usando cola e tesoura, brilha pela capacidade expressiva e alia-se a uma fascinante fotografia do amador António Mendes. Rodado aos fins de semana, Douro, Faina Fluvial levou dois anos a produzir e, como toda a sua peculiaridade, é um marco fundamental na tradição documental portuguesa. Podemos visionar esta obra ímpar na íntegra no youtube. A banda sonora da posterior versão sonora foi composta por Luís de Freitas Branco. Em 1994, surgiu outra versão, intitulada "Douro, Faina Fluvial 2", de 18 minutos, com música de Emanuel Nunes.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Espaço Portugal - Zona J (1998)

Realizado por Leonel Vieira
Com Núria Madruga, Félix Fontoura, Ivo Canelas

Com argumento de Rui Cardoso Martins e Luís Pedro Nunes, “Zona J” iluminou por dentro esta zona muito problemática do bairro degradado de Chelas em Lisboa. Tó (Félix Fontoura) e Carla (Núria Madruga) são dois jovens que encontram na relação que estabelecem entre si um refúgio para a realidade sem horizontes em que vivem. Tó é negro e vive em Chelas, sonhando um dia regressar à Angola natal dos seus pais e aí conseguir uma vida digna que Portugal não lhe oferece. Carla é filha de pais divorciados, mora provavelmente nas Olaias, onde a mãe tem uma pequena florista, e tenta viver um sonho digno no meio de uma família desestruturada e neurótica. Este enquadramento social arrasta Tó para caminhos tortuosos e com ele segue Carla. É um filme trágico de vidas sem saídas apesar do sonho e da vontade de vencer. Félix Fontoura e Núria Madruga convencem na pele daqueles jovens aniquilados pela sociedade. Podemos questionar o fatalismo da narrativa mas trata-se apenas de uma história, uma história credível, e não de uma lição de moral. 

 

A banda sonora de Miguel Ângelo contrapõe o onírico à fotografia dura daquele lugar terrível para se viver, claustrofóbico e sinuoso, como a vida das personagens. Outros filmes nesta linha se seguiram, lembro-me, por exemplo de “Sangue do Meu Sangue” e de “Arena”, mas” Zona J2 não deixou de marcar o seu lugar na História do Cinema nacional por se focar naquela época naquilo que não era normalmente televisionável, imagens que escapavam ao olhar de quem vivia e trabalhava em Lisboa todos os dias. Os diálogos nem sempre convencem, o que é compensado pela autenticidade das figuras criadas pelos atores mais ou menos experientes. Alguns dos intervenientes eram eles próprios habitantes da Zona J. E no final o espetador não pode deixar de pensar se de facto tudo tinha de acontecer assim ou se haveria alternativa. Mas a verdade é que tudo isto continua a ser completamente possível 14 anos volvidos sobre a data de estreia da obra.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Espaço Portugal - Lisboa, Crónica Anedótica (1930)


Realizado por Leitão de Barros
com Adelina Abranches, Chaby Pinheiro, Alves da Cunha, Estevão Amarante


O incansável realizador Leitão de Barros, o primeiro a usar esta designação em Portugal, aproveitou para, em junho de 1929, numa pausa da rodagem de Maria do Mar, realizar Lisboa, Crónica Anedótica, breve filme mudo, onde se sucedem momentos de ficção num registo claramente documental sobre como se nasce, vive e morre em Lisboa.
Perpassa a obra a sensação de que algo novo está a nascer (a par com os alvores do novo regime). Sendo inevitável a comparação com outro filme do mesmo período, Douro, Faina Fluvial (1931) de Manoel  de Oliveira, na obra de Leitão de Barros vemos passar na grande telão não só os maiores nomes do teatro de então como também inúmeros espaços muito familiares, ainda hoje, aos alfacinhas. Não se trata, pois, de mostrar a dureza da vida, ainda muito ligada ao setor primário, de então mas sobretudo de fixar a vivência de uma cidade que funcionava cada vez mais como pólo aglutinador de grande parte da população portuguesa.


Essa migração para a capital representava uma ameaça às particularidades regionais de Lisboa mas também e sobretudo um momento decisivo da sua passagem a grande cidade, uma grande cidade muito rural ainda assim. Misturando imagens de bilhete-postal com pequenas narrativas, esta película inscreve-se nas sinfonias urbanas da época, conciliando as tendências modernista do cinema europeu com um cunho semi-politizado mas não abertamente ideologico, tão característico de Leitão de Barros. 

terça-feira, 15 de maio de 2012

Espaço Portugal - Alice (2005)

Realizado por Marco Martins
Com Nuno Lopes, Beatriz Batarda, Miguel Guilherme

A chocante morte de Bernardo Sassetti deixou-nos a todos consternados e com o saber amargo de uma perda irreparável. Neste momento não podíamos deixar de lembrar a famosa banda sonora que compôs para Alice de Marco Martins.
O filme narra a história de um casal cuja filha desapareceu há alguns meses. como forma de encontrar um sentido para a sua dor e de alguma forma manter viva a presença da criança, o pai (Nuno Lopes) recorre a uma rotina quase obsessiva. Durante todo o dia, recorrendo a meios pouco convencionais, procura a filha desesperado pela cidade de Lisboa. à noite, transfigura-se no teatro para, findo o espectáculo, voltar à sua demanda. A mãe (Beatriz Batarda) deixa-se esmagar pela tragédia que caiu sobre a sua família.


A adesão ao filme não pode deixar de ser problemática. A questão do rapto de crianças é observada do ponto de vista da impossibilidade de algum dia virem a ser recuperadas pelos pais. No caso de crianças muito pequenas e quando a recuperação não ocorre nos dias imediatamente consequentes ao rapto, o tempo não joga a favor, e a própria reintegração no seio familiar levanta um sem número de questões. A violência da perda  que os pais sofrem em casos destes torna-se tão dura como a própria morte de um filho.
A visão da cidade e das massas anónimas que nos é dada pelo olhar do protagonista é muito diferente daquela a que o cinema nacional nos tem habituado e muito próxima da nossa própria percepção. Não há  postais ilustrados, é-nos apresentada toda a indiferença do ritmo brutal do dia a dia. Este é um dos pontos fundamentais da obra. Outro dos aspectos que merecem destaque são a notável interpretação de Nuno Lopes que nos transmite a angústia e revolta contidas daquele pai sem praticamente articular uma palavra. Por fim, e como não podia deixar de ser, realçamos a soberba banda sonora de Sassetti, que pode recordar aqui, e que enquadra o estranho mas tão compreensível percurso de vida daquele homem.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Espaço Portugal – Belarmino (1964)

Realizado por Fernando Lopes
Com Belarmino Fragoso, Maria Amélia Fragoso, Ana Paula Fragoso
A triste história da ascensão e queda de um (anti)herói português é contada por Fernando Lopes num documentário fundamental na afirmação do Novo Cinema. Belarmino, quase analfabeto, teve a oportunidade de sair da miséria em que vivia como engraxador e se tornar num campeão internacional de Box, mas perdeu-a. Esta história verídica, vista aos olhos de hoje, obriga-nos a tomar consciência da miséria cultural que se vivia no país nesta época. Num português muito mal falado, o boxeur e o seu manager (o manéger) apresentam argumentos que justificam o desentendimento entre ambos e o consequente fracasso profissional de Belarmino. Mas entrecortado com este litígio toma contornos ante os nossos olhos um homem muito autêntico na sua imensa simplicidade, cheio de contradições, de vícios, dono de uma moral duvidosa, Belarmino é um homem lusitano, no aspeto físico, na coragem, na miséria. Belarmino é um Boxeur pintor de fotografias ao detalhe, disparidade a que só a miséria dá sentido.

A banda sonora, o tema, as tomadas de câmara, a fotografia e o som são influenciados nitidamente pela nouvelle vague mas o filme é profundamente neorrealista na humanidade da figura, no tema, na envolvência poética com que a denúncia social é feita. Rocc ei  il suoi fratteli está sempre presente no nosso imaginário enquanto assistimos a este documentário, pelo ambiente do box mas também pela exposição quase obscena da  vulnerabilidade humana. Como documentário imortalizou um homem que quis a imortalidade e não soube conquistá-la, cristalizou instantes de uma Lisboa muito diferente, onde as ousadias, a juventude, a sexualidade tinham contornos hoje desaparecidos, o que nos deixa a refletir sobre a efemeridade do que temos como definitivo. Augusto Cabrita recebeu o prémio do SNI pela fotografia do filme.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Espaço Portugal – Sangue do Meu Sangue (2011)


Realizado por João Canijo
Com Rita Blanco, Cleia Almeida, Rafael Morais

Obra de maturidade do realizador, Sangue do Meu Sangue tem deslumbrado um pouco  por todo o mundo.  De facto, ficamos rendidos a uma narrativa tão queirosiana como do século XXI, uma história deplorável de uma família do Bairro do Padre Cruz em Lisboa, condicionada pelas limitações deste verdadeiro gueto, e ainda assim absolutamente verosímil.
Márcia (Rita Blanco), uma cozinheira de um snack bar, vive com a filha (Cleia Almeida) e o filho Joca (Rafel Morais) na mesma casa que a irmã Ivete (Anabela Moreira). Uma semana chega para esta família ser confrontada com tudo o que de mau a vida pode trazer. Apreciei sinceramente a autenticidade das figuras criadas, a escolha feliz do guarda-roupa, os fabulosos e tão convincentes diálogos construídos pelo realizador com os atores, para não falar já do ótimo argumento. Acresce ainda a ousada realização com planos paralelos e sempre um emaranhado de conversas sobrepostas em que o espetador tem sistematicamente de fazer opções como se estivesse ele próprio nos exíguos e completamente desprovidos de privacidade espaços íntimos deste bairro.

As figuras são tão reais que nos chocam por parecer que as conhecemos do nosso dia a dia. Uma mãe de filhos de vários pais que tenta a todo o custo unir a família por um amor incondicional, a filha que busca dignidade onde menos a pode encontrar, a irmã que perdeu a viagem do tempo, o filho delinquente, são todas elas personagens que tentam não se afogar num mundo que só as faz ter sentido dentro do espaço do bairro e aí o certo e o errado têm sentidos diferentes porque o amor próprio pode custar a própria dignidade. Desempenhos fortes de Rita Blanco, Cleia Almeida, Rafael Morais e, muito a meu gosto, de Anabela Moreira tocam-nos vivamente. Mas a maior salva de palmas tem de ir com certeza para João Canijo que há muitos anos vem dando provas de uma forte personalidade como realizador português, quer na ficção quer no documentário, não descurando, apesar da sua originalidade, a tradição cinematográfica nacional.

Classificação - 5 Estrelas Em 5 

terça-feira, 24 de abril de 2012

Espaço Portugal – Um Amor de Perdição (2008)


Realizado por Mário Barroso
Com Tomás Alves, Catarina Wallenstein, Ana Padrão

Na tradição da recriação no grande ecrã de obras fundamentais da literatura portuguesa, tradição essa que remonta aos primórdios do cinema feito em Portugal, Um Amor de Perdição é uma versão livre do romance Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco, adaptado por Carlos Saboga aos nossos dias.
Esta obra, que nos faz lembrar com frequência Romeu + Juliet (1998), enraiza-se nas adaptações anteriores (lembro a de António Lopes Ribeiro e a de Manoel de Oliveira, por exemplo) inserindo-a no contexto de uma Lisboa burguesa do século XXI. De acordo com o realizador a procura não foi a de recriar um amor quase mítico mas antes a de explorar o carácter obstinado, inconformista e rebelde de Simão Botelho (Tomás Alves). No entanto, parece-me que, por um lado, a obra exige o conhecimento do texto de Camilo, o que é fácil dentro de Portugal uma vez que se trata de uma obra de leitura obrigatória nos currículos escolares, mas que se torna mais inacessível no mercado internacional. Este romance é, de resto, a referência permanente dentro do filme através da leitura que os jovens, Simão, Mariana e Rita dele fazem. Por outro lado, encaro como uma debilidade a centralização do ponto de vista na narradora, Rita Botelho, (Patrícia Franco, em voz off Beatriz Batarda), irmã mais nova de Simão, que vai conduzindo o espectador e interpretando os factos à medida que se desenrolam, apesar de ser dada liberdade para outras leituras, como o nunca assumido incesto de Perpétua (Ana Padrão).


Brilham a banda sonora fantástica de Bernardo Sasseti, as interpretações fortes de Tomás Alves e Catarina Wallenstein, principalmente a desta última, e o ritmo consistente imposto pela câmara de Mário Barroso. Ainda assim o argumento surge-me pouco coerente com os dias de hoje, com momentos e personagens impostas à força como a do empregado negro Zé Xavier (Willion Brandão) ou a obrigação do matrimónio de Teresa para o qual parece não haver qualquer alternativa. Apesar destas considerações, Um Amor de Perdição é um filme consistente e um sinal de vitalidade da cinematografia nacional. A obra foi a proposta portuguesa desse ano ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Espaço Portugal – Tabu (2012)


Realizado por Miguel Gomes
Com Laura Soveral, Ana Moreira, Carloto Cotta
Miguel Gomes que já nos havia encantado, entre outros, com Aquele querido mês de Agosto (2008) e volta a surpreender-nos com esta sua muito peculiar maneira de ver Portugal. Se em 2008 se debruçou sobre a autenticidade da vida fora dos centros urbanos e autistas, agora, com Tabu, alerta-nos a todos para a vivência daqueles que moravam em África antes de serem obrigados a regressar, muitos deles a vir pela primeira vez, e que tantas vezes foram despreciados por aqueles mesmos que se consideram hoje aventureiros e originais.
O filme divide-se em duas partes, distantes cronologicamente. Na primeira, Aurora (Laura Soveral) vive uma vida atormentada quer pelos seus fantasmas interiores quer pela solidão a que a pouca família a votou. Como uma únicas companhias tem a empregada Santa (Isabel Muñoz Cardoso) e a vizinha Pilar (Teresa Madruga). Porém algo vai levar-nos a um longo flash-back para o período anterior à guerra pela independência num qualquer país do antigo ultramar português, possivelmente Moçambique.

O espectador é então confrontado, com vergonha, com aquilo que preferiu não ver durante toda a vida. A nossa ignorância sobre o que foi a vida destas pessoas em África, o exotismo da paisagem, do clima e dos hábitos, o poder dos colonos portugueses, o espírito de grande aventura de quem se atreveu a fazer vida naquelas paragens.
Como se não bastasse a incisiva farpada na auto-imagem do Portugal contemporâneo, o filme impressiona também pela ousadia de ser em parte filmado a preto-e-branco e sem som  o que sublinha com traços fortes o regresso proposto ao início dos anos sessenta. Guarda-roupa e cenários adequados e ainda uma sedutora interpretação de Carloto Cotta no papel do jovem italiano e um, como seria de esperar, consistente desempenho de Laura soveral dão uma dimensão superior a esta obra. O filme foi galardoado em tanto no Festival Internacional de Cinema de Berlim como no Festival de Cinema de Las Palmas.
Classificação -  4 Estrelas em 5

terça-feira, 10 de abril de 2012

Espaço Portugal – Maria do Mar (1930)


Realizado por Leitão de Barros
Com Rosa Maria, Oliveira Martins, Adelina Abranches e Alves da Cunha
Obra maior do cineasta português Leitão de Barros, Maria do Mar é um ponto fundamental na história do cinema nacional. O argumento, da autoria do próprio realizador em parceria com com António Lopes Ribeiro, centra-se numa rivalidade entre famílias causada pela responsabilidade de Falacha (Alves da Cunha) na morte da tripulação do seu barco durante um naufrágio. Como seria de esperar o seu filho, Manuel (Oliveira Martins) e a filha de um dos homens mortos, Maria do Mar (Rosa Maria) apaixonam-se  contra a vontade das respectivas mães (Adelina Abranches e Perpétua dos Santos). Este Romeu e Julieta à nazarena não seria digno de nota não fora pelo excpcional carácter documental do filme que retrata fielmente a vida pobre e duríssima dos pescadores da Nazaré, onde, ainda hoje, reside uma comunidade etnograficamente muito peculiar.


Os inteirores foram rodados  no jardim de inverno do Teatro S. Luiz e os exteriores na praia da Nazaré, no Mosteiro da Batalha e no Castelo de Leiria. A fotografia, a cargo de Manuel Luís Vieira e Salazar Dinis, como afirma João Bénard da Costa, cria uma autêntica pintura animada onde as interpretações de actores tão grandes na época como o foram Adelina Abranches e Alves da Cunha, podem brilhar com uma luz de tal modo única que ainda hoje nos toca. Bebendo directamente do expressionismo alemão, do conceptualismo soviético e do cultismo americano, o realizador consegue ir mais além e criar a segunda etnoficção mundial e um dos primeiros documentários ficcionados do mundo, sendo precisamente nesta verdade das gentes e dos costumes que reside toda a enorme força da película. Apesar da censura e de todos os contrangimentos morais impostos na época, Leitão de Barros ousa cenas de grande erotismo como a saída dos jovens da água depois de Manuel salvar Maria do afogamento ou ainda, mais ousada, a do pai a acariciar os seios da filha confirmando como está crescida. Filme fundamental que não pode se perder nos arquivos da memória, Maria do Maria é merecedor de uma leitura aprofundada.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Espaço Portugal – Aldeia da Roupa Branca (1939)

Realizado por Chianca de Garcia
Com Beatriz Costa, José Amaro, Manuel Santos Carvalho, Hermínia Silva

Realizado entre Agosto e Outubro de 1938 e estreado no Teatro Tivoli no início do não seguinte, (depois de uma estreia não oficial na Sociedade Filarmónica da União Pinheirense, no Pinheiro de Loures), Aldeia da Roupa Branca é um retrato pitoresco de uma aldeia saloia onde duas famílias rivalizam, entre as couves que cultivam e a roupa que lavam para as gentes de Lisboa, rodado num cenário especialmente criado para a produção do filme nos terrenos contíguos ao estúdio, a actual Quinta das Conchas no Lumiar.

Num tempo em que o teatro e o cinema se interpenetravam, o filme contou com a realização de Chianca de Garcia e diálogos e letras de música de Ramada Curto, dois homens que haviam um reconhecido sucesso como dramaturgos na década anterior. Colaborou também na sua feitura o escritor José Gomes Ferreira, não creditado. Nele participaram nomes sonantes do teatro de revista e do teatro ligeiro da época como a icónica Beatriz Costa, bem conhecida em todo o Portugal de então e no Brasil, que encerra assim em apoteose a sua carreira no cinema. Esta herança do teatro é visível também no tom faceiro da interpretação e no próprio argumento que se inspira de perto nos dramas regionais que fizeram as delícias de muitas plateias. Ainda hoje muitas das letras das músicas que surgem no filme são cantadas de cor pelos portugueses de idade mais avançada.
O filme foi produzido pela Sociedade de Espectáculos, criada quase propositadamente para o efeito, e montado por Vieira de Sousa nos estúdios da Lisboa Filmes, depois de uma gestação de seis anos durante os quais foi preterido em favor de outros projectos. Inscrito claramente numa escola que produzia filmes nacionais para o público nacional, sem pretensões intelectuais tão caras a um outro tipo de cinema elitista que também se vinha praticando, Aldeia da Roupa Branca é uma explosão de talentos e de verdade.  Devido apenas a interesses movidos dentro da Tobis, este não foi por um triz, como estava previsto, o primeiro filme sonoro inteiramente português.