Com Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Denis Leary
O mínimo que se pode dizer é que “The Amazing Spider-Man” suscitou muitas dúvidas. Aquele anúncio totalmente inesperado de que a saga de Sam Raimi iria ter um fim abrupto e de que a célebre história do jovem aracnídeo iria ser alvo de um reboot deixou muito boa gente de pé atrás. Afinal de contas, não seria demasiado cedo para iniciar tudo de novo? O Spider-Man de Sam Raimi estava ainda muito fresco na memória de todos. Assim sendo, não seria uma decisão irrefletida dizer adeus a Tobey Maguire e companhia limitada para orquestrar uma nova versão do herói? Normalmente, este tipo de decisões oriundas dos manda-chuvas dos grandes estúdios acabam mal e porcamente, muito graças ao objetivo primordial que lhes deu origem: única e exclusivamente fazer dinheiro. E este parecia ser um caso exemplar dos administradores dos estúdios a meterem o nariz onde não são chamados. Por aqui, temos de admitir que sempre desconfiámos um bocadinho deste reboot, precisamente por ele ter todo o ar de ser excessivamente precoce. Mas o que é certo é que tudo acabou por correr da melhor maneira, quiçá contra todas as expectativas. “The Amazing Spider-Man” revela-se um produto de entretenimento de elevadíssima qualidade, surpreendendo tudo e todos com a sua abordagem mais realista e terra-a-terra das aventuras de Peter Parker. E para este resultado muito vale a visão descontraída de Marc Webb, bem como a química que existe entre Andrew Garfield e Emma Stone.
O filme original de Sam Raimi mostrava-nos um Peter Parker já muito próximo da idade adulta, prestes a terminar os estudos básicos para entrar na universidade e numa fase da vida mais independente. Este “The Amazing Spider-Man” não tem pressa em abordar a maturidade do herói, inserindo-o num contexto de escola secundária e recusando-se a tirá-lo desse contexto. Já todos conhecem a história de como o tímido e enfezado Peter Parker se transforma no ágil e confiante Spider-Man. Numa visita de estudo aos laboratórios da Oscorp (a empresa multimilionária de Norman Osborn), Parker (Andrew Garfield) é acidentalmente picado por uma aranha geneticamente modificada e a sua vida altera-se radicalmente. Aos poucos, ele descobre capacidades extraordinárias e ganha confiança através delas, passando a fazer frente aos colegas que costumavam importuná-lo nos intervalos das aulas. Porém, essa atitude mais emproada leva a que o seu tio Ben (Martin Sheen) seja assassinado por um vulgar larápio de rua e Peter compreende que tem de usar os seus novos poderes para proteger a população. Saído da casca, o rapaz capta também a atenção da bela Gwen Stacy (sempre carismática Emma Stone), iniciando uma relação de intimidade com ela. Mas os problemas surgem quando o Dr. Curt Connors (Rhys Ifans) se injeta com um soro que deveria reconstruir o seu braço direito amputado, dando origem a uma mutação genética que o transforma num lagarto gigante. E com esta criatura a aterrorizar a população local, Peter não tem escolha senão vestir o fato de Spider-Man e lutar pelo bem-estar (e pelo reconhecimento) dos seus conterrâneos.
Não deixa de ser curioso que o filme que apresenta o vilão mais animalesco e inverosímil seja o filme que usufrui de um ambiente mais realista e, para todos os efeitos, credível. Sam Raimi ofereceu-nos um Spider-Man a roçar o fantástico, talvez mais fiel à banda-desenhada mas também mais difícil de se identificar com o grande público. Marc Webb tem o condão de nos apresentar um Spider-Man extremamente humano e de atitudes palpáveis. Peter Parker é neste filme um rapaz muito mais próximo de qualquer rapaz tímido e atormentado da vida real, tornando tudo o que se passa em seu redor muito mais crível e natural. As personagens do Spider-Man de Raimi tinham uma certa aura de cosplay, como se fossem personagens cerradas num estereótipo e num modo de atuar artificial que as afastava da realidade. As personagens deste reboot são mais naturais, mais acessíveis, mais próximas do cidadão comum. A fantasia de Raimi trazia magia ao mundo do aracnídeo, mas trazia também algum irrealismo e algum patriotismo patético que apenas infantilizava toda a trama. Um pouco à imagem do que Christopher Nolan fez com o Cavaleiro das Trevas que dá pelo nome de Batman, “The Amazing Spider-Man” insere o aracnídeo num cenário de (quase) absoluto realismo, mostrando-nos o que poderia acontecer se o herói do fato azul e vermelho existisse mesmo. Webb não manipula a transição entre a comédia e a ação tão bem como Raimi. Mas, para compensar essa falha, filma tudo com um sentido de realismo muito apurado, oferecendo-nos cenas de ação de cortar a respiração e diálogos entre personagens simplesmente deliciosos
Andrew Garfield convence mais do que Tobey Maguire no fato (e na pele) de Spider-Man, assim como Emma Stone perfaz um interesse amoroso bem mais carismático e interessante do que a Mary Jane de Kirsten Dunst. E o Lizard de Rhys Ifans é o vilão mais bem conseguido até ao momento, dando água pela barba ao herói e exalando uma aura de ameaça que nem Venom conseguiu atingir em “Spider-Man 3”. Claro que, ainda assim, não é um filme perfeito. Peter Parker transforma-se em Spider-Man demasiado depressa, já que numa cena ainda é um zé-ninguém e na cena seguinte já é um herói que toda a população parece conhecer. Era preciso mais tempo para fazer essa transição de uma forma mais equilibrada, mas compreende-se a necessidade de acelerar o passo numa obra com mais de duas horas de duração. A personagem de Denis Leary beneficiaria também de mais algum tempo de antena, pois não tem o aprofundamento que merecia e seria interessante explorar mais a fundo a relação do aracnídeo com as forças de autoridade. Porém, como um todo, “The Amazing Spider-Man” é um filme bastante satisfatório. A nível técnico é quase perfeito, a nível dramático pouco deixa a desejar, e só é pena que termine quando tudo começa a ficar deveras interessante. Bravo. Ficaremos à espera da inevitável sequela.
Classificação – 4 Estrelas em 5