Com Kristen Stewart, Chris Hemsworth, Charlize Theron, Sam Claflin
Os contos de fadas são fantásticos, e não estamos a referir-nos à sua óbvia componente de fantasia. São fantásticos porque são verdadeiramente universais, encantando miúdos e graúdos com as suas fábulas repletas de magia e aventura. E são fantásticos porque são também capazes de transmitir mensagens variadas a um público diversificado, dependendo da abordagem que for dada ao seu conteúdo narrativo. Tomemos como exemplo este tão ilustre conto da Branca de Neve. Comparando a clássica adaptação cinematográfica da Walt Disney com esta mais moderna e arrojada versão da Universal Pictures, todos compreendemos que a história de fundo é a mesma. Mas por entre as similitudes as diferenças são mais que muitas, precisamente porque o conto da Branca de Neve é tão rico que permite mil e uma leituras divergentes. Aliás, tendo até em conta só esta versão épica de Rupert Sanders, as leituras podem ser infinitamente variadas, pois as crianças guardarão na memória a candura da personagem principal e a beleza do reino das fadas, enquanto os adultos terão olhos essencialmente para o aspeto épico da película e a malvadez insana da Rainha Ravenna. Depois de alguma desconfiança provocada por várias produções simultâneas deste conto dos irmãos Grimm, os trailers de “Snow White & The Huntsman” fizeram disparar os níveis de curiosidade, pois prometiam uma abordagem adulta e mais negra do que nunca ao conto da Branca de Neve. Visto o filme, ficamos com um sabor agridoce na boca. Essencialmente porque se nota a enormíssima qualidade da produção em todos os frames da película, mas também porque ficamos com a sensação de que os meios à disposição não foram inteiramente aproveitados.
A narrativa inicia-se com a apresentação de um reino próspero e encantador. Enquanto constrói uma amizade profunda com William (interpretado por Sam Claflin na versão adulta da personagem), a princesa Snow White (Kristen Stewart também na versão adulta) vive tempos de paz e harmonia no reino governado pelos seus pais. Porém, tudo se modifica quando a sua mãe – a rainha Eleanor (Liberty Ross) – adoece e acaba por morrer num dos invernos mais rigorosos do reino. Tomado pela dor do luto, o Rei Magnus (Noah Huntley) torna-se ausente e apático, encontrando conforto alguns meses mais tarde nos braços de Ravenna (fabulosa Charlize Theron), uma mulher de traços belíssimos libertada da opressão de um exército misterioso. Embriagado de luxúria, o rei não hesita em nomear Ravenna sua esposa, transformando-a na nova rainha do reino. Mas esta, como seria de esperar, mostra o seu verdadeiro rosto quando tem o tão ansiado poder nas mãos, traindo o rei no momento mais oportuno e reservando para si todos os poderes do reino. A pobre Snow White é então enfiada numa cela minúscula da torre mais elevada, onde permanece encerrada até ao dia em que atinge a maioridade. Nesse dia, o espelho mágico revela a Ravenna que esta já não é a mulher mais formosa do reino, ultrapassada que está pela jovem Snow White. E temendo perder o controlo do feitiço que a mantém eternamente bela, Ravenna ordena a execução de Snow White, contratando até os préstimos de um pujante caçador (Chris Hemsworth) para capturar a rapariga depois de esta escapar da torre maldita. Mas os planos da rainha vão por água abaixo quando o caçador decide aliar-se à princesa do reino enegrecido…
Não foi à toa que o argumento deste “Snow White & The Huntsman” entrou na Black List (uma lista anual dos argumentos mais promissores do mercado cinematográfico) de 2010. De facto, esta obra demonstra um arrojo e uma ambição deveras impressionantes, tentando por todos os meios transformar o conto da Branca de Neve no novo Senhor dos Anéis. Os próprios produtores da película chegaram a admitir que a trilogia de Peter Jackson serviu de inspiração para a conceptualização dos cenários, dos adereços e das sequências de batalha. Porém, se por um lado se aplaude a intenção de fazer desta história algo de inesquecível, por outro lado apupa-se a falta de concretização. Sim, porque de Senhor dos Anéis este “Snow White & The Huntsman” só tem mesmo o aspeto visual. Infelizmente, o argumento original de Evan Daugherty que tanto furor causou em 2010 foi alvo de alterações. Alterações que, muito provavelmente, terão destruído a alma irreverente da narrativa, aproximando-a da mediania inconsequente do costume. Nota-se que Rupert Sanders tem olho para sequências vistosas e para os detalhes que apenas enriquecem uma obra deste género. Porém, a sua inexperiência atrás das câmaras vem ao de cima quando o fio narrativo começa a derrapar na segunda metade da película, terminando mesmo de forma bastante desagradável. As personagens em geral estão bem caracterizadas e apresentam uma personalidade credível. Mas a personagem principal, aquela com que mais se deveriam ter preocupado, está um desastre completo, não convencendo nada nem ninguém. De facto, Kristen Stewart está muito fraquinha no papel de Snow White. Mas parece-nos que a culpa até nem é da rapariga, mas sim do mau aprofundamento da personagem. Querem convencer-nos de que uma rapariga franzina que nunca tinha pegado numa espada, de repente enfia uma armadura pelos ombros e lidera um exército inteiro? Simplesmente não funciona. E para além dessa falha enorme (para não dizer fatal), ficam muitas pontas soltas no ar aquando do término da película, enfurecendo ainda mais o espectador desapontado. Deslumbrante está Charlize Theron na pele da rainha maléfica, mas isso já seria de esperar. Em poucas palavras, “Snow White & The Huntsman” fica-se pela intenção. Faltou a concretização.
Classificação – 3 Estrelas em 5