terça-feira, 6 de março de 2012

Espaço Bizarro - Brazil (1985)

Realizado por Terry Gilliam
Com Jonathan Pryce, Kim Greist e Robert De Niro

Sam Lowry: “I don't want dessert. I don't want a promotion. I don't want anything.”
Mrs. Lowry: “Of course you want something. You must have hopes, wishes, dreams.”
Sam Lowry: “No, nothing. Not even dreams!"


O primeiro registo de um Terry Gilliam “Pós Monthy Python” não correspondeu a uma comédia inteligente, alicerçada em historicismos desconcertantes e impregnada de humor britânico. “Brazil” desenvolve-se num não-lugar – uma urbe incaracterística e impessoal – e num não-tempo, ao qual se associam marcas de um futurismo disfuncional e inumano.
À realidade cinzenta, pesada e conformada concebida por Gilliam, com reminiscências Art-Déco e de escala monumentalizante, sobrepõem-se, irónica e pontualmente, variações de acordes tropicais de Ary Barroso (“Aquarela do Brazil”). E é num referencial duotónico – oscilante por entre instantes idílicos e uma realidade cristalizada e lúgubre – que se desenrola a intriga de “Brazil”, de inspiração assumidamente Orwelliana (“1984” é uma referência incontornável) e Kafkiana (“O Processo”): Um regime totalitário e belicista, esmagador nos mecanismos a que sujeita os seus cidadãos e obscurantista nos seus propósitos e orgânica, revela-se incapaz de lidar com um erro, pelo qual é, inequivocamente, responsável; Uma sociedade desigual, dividida entre um operariado maioritário e uma elite, resguardada nas suas cúpulas, insiste em negociar poder e competências “ad-hoc”; Uma oposição invisível (e eventualmente inexistente) leva alegadamente a cabo ataques bombistas, que se revelam inconsequentes no propósito de atentarem contra uma engrenagem fascista e subjugadora (extensível até às infra-estruturas das habitações, de aspecto intestinal).

O carácter de Sam Lowry (Jonathan Pryce), um não-herói por excelência, vinca o exasperante registo satírico e negro adossado a “Brazil”. Pelo seu aspecto débil e mediano, por não se conseguir divorciar do sistema e do tráfico de influências, por ser funcionário de um “Ministério de Informações” persecutório e por apenas se realizar, pontualmente, num universo onírico, do sonho e da fantasia. Permanentemente frustrado e equivocado, Lowry encontra nos simbolismos do seu inconsciente a crítica e a iniciativa, mais ou menos turvas, que lhe permitirão, de uma forma gradual, ir questionando a tecnocracia vigente. É, também, a partir dos sonhos, que Sam constrói e sedimenta a personagem de Jill Layton (Kim Greist), por quem se irá apaixonar, e que se apresenta enquanto antítese de um quotidiano tentacular e cinzentista, dominado por homens do regime (Iam Holm veste a pele de um arrogante Mr. Kurtzmann) e por aqueles que, assumidamente, os combatem – Robert De Niro, um marginal “canalizador terrorista”, preconiza inúmeras e imprevisíveis aparições.
“Brazil” corresponde a um denso e refinado pesadelo, magistralmente realizado por Terry Gilliam. É enquadrável num percurso, em três tempos, pelo onírico, iniciado ainda em 1981 (“Time Bandits”) e concluído em 1989 (“The Adventures of Baron Munchausen”). Possui uma imagem emblemática e cuidada, alternando entre um léxico cartoonesco – por vezes próximo do imaginário de Moebius – e a imagem sombria das obras mais negras de Charlie Chaplin, Orson Welles e de Federico Fellini. Inclui referências a diversos ícones da história do cinema, como o são, por exemplo, “Metropolis”, de Fritz Lang, ou “Dr. Strangelove”, de Stanley Kubrick, e encerra em si mesmo inúmeros easter eggs, tais como as referências aos irmãos Max (“Coconuts”,de 1929) ou a aparição do próprio Terry Gilliam, por entre muitas outras acepções.

Da sua dureza – “Brazil” é inevitavelmente um registo raw – emergiu uma das mais célebres batalhas entre realizador e produtora, devidamente relatada pelo crítico Jack Mathew em “The Battle for Brazil”: Em causa esteve o desfecho negro e pouco comercial de “Brazil”, que a Universal procurou condicionar. Mas mesmo apesar de uma aberrante versão adulterada de 94 minutos (com um final feliz e de título consonante), Gilliam triunfou, quer pelo facto das versões “completas” de 132 e de 142 minutos terem sido premiadas e reconhecidas pela crítica, quer por, alguns anos mais tarde, o seu “Director’s Cut” se ter consagrado enquanto filme de culto, relegando para segundo plano os maus resultados de bilheteira registados em 1985.
Nomeada para dois Óscares, que não conquistou, a obra de Terry Gilliam foi premiada pela Los Angeles Film Critics Association, responsável inicial pela merecida notoriedade posteriormente atribuída a “Brazil” e pelo British Film Institute. Arrecadou dois BAFTA awards, e através da Boston Society of Film Critics, viabilizou um merecido galardão a Ian Holm, enquanto actor secundário.

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