quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Crítica - Aquele Querido Mês de Agosto (2008)


Realizado por Miguel Gomes
Com Sónia Bandeira, Fábio Oliveira, Joaquim Carvalho.

De nome claramente inspirado no hit single do já finado Dino Meira, a segunda longa-metragem de Miguel Gomes é a pérola cinéfila made in Portugal que merece ser vista por estes dias. Por todo o lado este filme se etiquetou (com justiça) como documentário/ficção, mas arriscaria a dizer que ele é mais surrealmente prosaico/objectivamente poético. Esta minha etiquetagem conhece a sua única falha no facto de assim não traçar a divisão clara das duas partes em que se divide o filme. Vamos adensar. Desde criança que o Miguel Gomes passa férias no espaço geográfico onde se desenrola o filme: concelhos de Arganil e Oliveira do Hospital. E com a ímpar matéria-prima do Portugal profundo com que se deparou produziu um documentário onde se sucedem as personagens e os eventos num contexto único, irrepetível e singular... exactamente aquele que se encontra em qualquer aldeia do interior nesse mês opulento em reencontros, romarias, foguetes, incêndios florestais e hormonas à flor da pele: o mês de Agosto.
A abordagem documental/ficcional é a pièce de résistance que faz da "primeira parte" (aproximadamente 1h15') algo de sublime, como muito poucas vezes se vê em português. Sem pudores nem cerimónias, Miguel Gomes filma os bailes de "pistas de dança" a encher aos poucos até os casais prováveis e improváveis rodopiarem em estilos, no mínimo, exótico-rústicos, as personagens reais que nem a mais ousada ficção ultrapassaria, tão romantizadas quanto apresentadas de uma forma crua... os elementos e as pessoas da vida real (podem não ser os melhores actores, mas são de verdade! - a opção por não-actores, recrutando habitantes daquelas terras foi tão corajosa quanto ampla de sucesso) vão-se entranhando até que o espectador deixe de ser o observador desterrado e "conheça" tudo e todos. Logo que assim é, vem a segunda parte, a ficção, enxertada mas transportada pelas pessoas reais que entretanto ganham dimensão ficcional. Conta-se uma história de Agosto, como tantas outras, só que pintada e emoldurada com a tal matéria-prima da primeira parte. Pessoalmente preferia que esta segunda parte não existisse, mas compreende-se inteiramente a ideia e saúda-se a qualidade que mesmo assim tem o somatório de ambas as partes.
Em cima referi que se filmou sem pudores nem cerimónias o sentido do ridículo e o bom gosto musical também tiram férias (ou não seja Agosto!), a canção ligeira portuguesa (politicamente correcto para pimba emético mas que por alguma razão é o deleite e a celebração sonora das romarias portuguesas) serve de OST às situações mais prováveis e improváveis, chega mesmo a ocupar segmentos da acção... e... pasme-se o espectador! Em exacta conta e medida. A genialidade deste filme será, muito provavelmente, a inserção de prestações do Marante/Diapasão sem haver chamamento pelo Gregório numa velocidade superior à do som. Agora a sério: "Aquele Querido Mês de Agosto" é o melhor filme português desde "Alice". Pelo menos para mim não houve mais nenhum que me fizesse sacrificar o dinheiro do bilhete para o ver. Merece ser visto e projectado em muitas salas.

Classificação - 4 Estrelas Em 5

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