Com Harrioson Ford, Shia Labouef, Karen Allen, John Hurt, Cate Blanchett
Aquando da estreia em Cannes da nova aventura de Indiana Jones havia a forte sensação de que não interessaria a opinião da crítica para impedir o sucesso do filme. Diga-se o que se disser, Steven Spielberg e George Lucas parecem ter a palavra final e, acredito, ganharão a aposta que fizeram com a Paramount (caso o filme não fosse um blockbuster eles pagariam a produção). Ainda assim, depois de ter juntado o meu entusiasmo ao de milhões de espectadores por todo o mundo, fica aquela sensação de vazio. De facto, os anos 80 já passaram, não há nada a fazer. Não há expectativa que resista, não há sentimentalismo nostálgico que possa esconder a enorme quantidade de erros cometidos neste Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull.
Depois de uma curiosa abertura, que quanto a mim é o momento de maior originalidade em toda a película, Crystal Skull leva-nos até 1957, anos em que a Guerra Fria atingia os seus picos de paranóia mais cerrados. Indiana Jones, a personagem que George Lucas e concebeu nos idos anos 80 como homenagem aos filmes de aventuras das matines americanas da época dourada, vê-se agora confrontado com a ameaça soviética. Começando por ser obrigado a colaborar com Irina Spalko (Cate Blanchett), um cartoon em tudo desusado de uma implacável agente do KGB que tem como arma preferencial uma espada, Indiana Jones é levado a procurar mais um mítico artefacto, desta feita uma caveira de cristal com um leve (leve!?) toque de Arca da Aliança, uma pitada de símbolo religioso, Santo Graal e, pasme-se caro leitor, toque de E.T. alienígena. Evocando desde inicio os três filmes anteriores e, assumindo-se como uma montanha russa cinemática, esta quarta apresentação do já mítico Indiana Jones conhece apenas um caminho, para baixo – rumo à ridicularização da própria personagem e de tudo o que representa.
Com todo o secretismo e paradoxal publicidade que acompanhou a produção deste Crystal Skull já deveríamos esperar o desastre, mas a desinspiração da dupla Lucas-Speilberg é total, levando-me mesmo a concluir que há de facto um problema de idade no filme – não de Harrison Ford como se temia, mas definitivamente de George Lucas e Steven Spielberg. Prometido que estava um regresso a um cinema apoiado em sets reais, bem distantes da virtualidade digital do fundo azul, esperava-se que este Indiana Jones recuperasse também a magia original, o espírito da aventura por trás de cada descoberta de Indy. Esperava-se, ingenuamente, a recuperação da personalidade deste velho amigo que reencontramos ao fim de 19 anos. A aventura está presente, a composição de John Williams continua a ser contagiante, mas na prática, este Indiana Jones não é mais do que um velho amigo que de facto reencontramos, mas que mudou e mudou muito com a idade. Em larga medida, este velho amigo teima recordar-nos quem é, constantemente tenta "auto-citar-se", criando daí um problema maior… torna-se aborrecido, chato mesmo e desinteressante. O problema não está, de todo, em Harrison Ford, que consegue aqui e ali brindar-nos com a mesma ironia que conhecíamos, está sobretudo na forma desinspirada e tremendamente deslocada da realidade como o argumento foi trabalhado por Lucas – e assinado por David Koepp. Crystall Skull tem aventura, tem perseguições frenéticas, tem formigas "gigantes" devoradores de tudo quanto aparece, tem soviéticos loucos e sanguinários, tem artefactos milenares, tem a sabedoria constante de Jones… tem tudo, em excesso, eliminando por completo a acção primária que marcava os três filmes anteriores e que, ai sim, nos fascinava. Á excepção, talvez, da perseguição por entre a floresta sul-americana, as sequências de acção são absolutamente entediantes, mecanizadas, sem a pitada de humor adicionada a um tanto de romantismo que marcavam o heroísmo inspirado da sequência de perseguição numa mina em Indiana Jones and The Temple of Doom ou a gloriosa perseguição com camiões em Raiders of The Lost Ark. A determinado ponto, o filme parece mesmo uma catalogação mais ou menos previsível de tudo o que Indy representa, fazendo-me mesmo sair da sala com uma chapa na testa com letras garrafais a gritar "idiota", dada a contínua necessidade do filme em explicar o que acontece na tela. Este quarto Indy perde-se em referências a si próprio, inferioriza-se com tentativas frustradas de fazer humor (a cena inicial é inexplicável caros cinéfilos… ) em torno do conhecimento que a audiência já tem da personagem. A verdade é que o filme desconstrói mesmo a personagem, tornando-a precisamente aquilo que não queríamos que acontecesse: envelhecida, apagada e, mais importante, no Dr. Henry Jones, o nome que o pai (Sean Connery, boa aposta ao recusar o papel) sempre usou e que Indy sempre desprezou.
Indiana Jones tem ideias interessantes, que deveriam ter sido melhor exploradas. A actualização da narrativa para os anos 50 é positiva porque não querendo, por um lado, esconder a idade de Indy, acaba por funcionar muito bem, pois trás para a tela os loucos anos 50 nos EUA, com toda a ebulição conspirativa que marcava a sociedade Norte-Americana de então. A personagem do tão badalado Shia LaBeouf – Mutt, o contributo de Spielberg para o seu já clássico tema do "pai-filho" – também traz, parece-me, um bom contraponto para Indy, criando bons momentos de cumplicidade. É certo que ainda assim fica a anos-luz da dupla Connery-Harrison Ford ou mesmo do fabuloso "Shortie" ("Minorca"), mas, dada a falta de originalidade que pauta o texto deste Indy IV, consegue trazer alguma frescura para a acção. A filmagem de Spielberg não compromete, mas também acaba por contribuir para a desinspiração global, já que é de um conservadorismo constrangedor que poderia ser imitado por um qualquer tarefeiro de Hollywood. No fim fica, tão só e apenas, a imagem de um Indiana Jones apagado, literalmente, pela sua sombra ao longo de todo o filme.
Em suma, mais um mito cinematográfico que é destruído pela indústria. Quanto a mim, prefiro cautelosamente ignorar este Indiana Jones de 2008. Irritante a forma como se tenta sumarizar neste Crystall Skull tudo o que os três filmes anteriores trouxeram e, mais ainda, o sabor "alienigena"... Sintomático da crise de ideias que marca o cinema de Hollywood é a classificação que darei a este filme –consegue duas estrelas, o que mostra que ainda assim não é um mau filme.Classificação - 2 Estrelas Em 5