Com Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Eva Green, Helena Bonham Carter
"Alice in Wonderland” ficou muito longe de ser um fracasso a todos os níveis, mas não deixou de ser uma obra menor de um realizador que já nos habituou a clássicos incontornáveis como “Edward Scissorhands”, “Big Fish”, “Corpse Bride”, “Sleepy Hollow” ou “Sweeney Todd – The Demon Barber of Fleet Street”. Talvez por ter as restrições criativas da Walt Disney a importuná-lo, “Alice in Wonderland” deixou-nos com a nítida sensação de que o verdadeiro potencial de Tim Burton não tinha sido aproveitado, quase como se o filme-revelação de Mia Wasikowska houvesse sido realizado por um sósia de Burton e não pelo Burton mágico e apaixonado pelo negrume que todos conhecemos. Essa obra de 2010 chegou a ser comparada à saga das Crónicas de Nárnia, uma comparação que denegriu a imagem do realizador californiano, deixando a seguinte questão a pairar no ar: teria Tim Burton perdido a sua chama? Estaria ele a passar por uma fase mais discreta da sua carreira? Dois anos mais tarde, este “Dark Shadows” vem demonstrar que o talento de Burton não se extinguiu, embora esteja de facto a passar por um momento mais periclitante.
A narrativa sombria e bizarra (ao bom estilo de Burton) acompanha a trágica história de vida de Barnabas Collins (Johnny Depp), um jovem galã do séc. XVIII que é transformado em vampiro pela bruxa ciumenta Angelique Bouchard (Eva Green). Não convivendo bem com a falta de correspondência amorosa por parte de Barnabas, Angelique vira a população de Collinsport contra ele, encerra-o num caixão para toda a eternidade e lança uma maldição sobre os seus descendentes, para que a opulenta família Collins não mais volte a viver tempos de glória até ao dia da sua extinção. Dois séculos mais tarde, porém, Barnabas consegue libertar-se da sua prisão com a ajuda involuntária de uns operários da construção civil que depressa se transformam no prato do dia. E sem perder um único minuto, o vampiro avança pelas ruas de uma muito alterada Collinsport em busca da enorme mansão que lhe servira de lar há muito tempo atrás, local onde entra em contacto com os descendentes atuais. Descendentes que acabam por se revelar tão ou mais bizarros do que ele…
“Dark Shadows” é uma comédia assumida, mas uma comédia negra, sangrenta e arrepiante quanto baste. Uma comédia à Tim Burton, portanto. Pode não ser um filme tão negro e assustador como se chegou a pensar que fosse quando ainda se encontrava em rodagem. Mas também não é tão tonto e ligeiro como se chegou a recear depois de vermos o trailer. A verdade é que combina na perfeição um humor negro tipicamente britânico (nenhuma da ação se desenrola em terras de Sua Majestade, mas a personagem de Barnabas é britânica e todo o seu modo de ser transpira ironia e elegância britânica) com um ambiente sombrio e arrepiante, digno de um thriller com sequências assustadoras. É uma comédia deliciosa, mas também não deixa de ser um filme de fantasia bastante competente e intrigante. Claro que se trata de uma mistura perigosa, razão pela qual muito provavelmente se tornaria um dos grandes flops do ano nas mãos de um realizador vulgar. Nas mãos de Burton, contudo, “Dark Shadows” respira elegância e frescura criativa, afirmando-se como um festim visual e um triunfo da mistura de géneros. Burton coloca as personagens em situações do arco-da-velha e o público agradece (para além de se rir às gargalhadas). Johnny Depp oferece-nos mais uma prestação de encher o olho, comprovando que a relação de trabalho mais duradoira da História do cinema (com Tim Burton, entenda-se) ainda tem muitas cartas para dar. E Eva Green está simplesmente fantástica na pele da diabólica Angelique Bouchard, reservando para si alguns dos momentos mais intensos e marcantes da película.
Só é mesmo pena que a narrativa estremeça um pouquinho no primeiro e terceiro atos. O argumento de Seth Grahame-Smith (sim, esse mesmo, o escritor do romance “Orgulho e Preconceito e Zombies”) é surpreendentemente forte, coeso e apelativo. Mas por alguma razão, a introdução e a conclusão da película deixam algo a desejar, levando-nos a torcer levemente o nariz. Se “Dark Shadows” fosse um gráfico, certamente faria o desenho de um v invertido. Isto porque começa num nível de qualidade mediano, sobe bastante à medida que a narrativa progride e volta a cair na sequência final que tudo encerra. O prólogo é filmado quase como se não tivesse sido convenientemente preparado, denotando algumas falhas narrativas e uma direção de atores bastante pobre. Já o epílogo quase que deita tudo a perder, pois é aí que o argumento perde toda a consistência, voltando os atores a cair em algum overacting e voltando o espectador a ser confrontado com algumas opções criativas bastante duvidosas. Todavia, no meio é que está a virtude, como se costuma dizer, e é isso que salva “Dark Shadows”. Se fecharmos os olhos ao abrir do pano e à conclusão da história, todo o filme se desenrola num patamar de qualidade a roçar a excelência. E é por isso que, mesmo com algumas falhas assinaláveis, “Dark Shadows” vem devolver a Burton a dignidade que este havia perdido com o sofrível “Alice in Wonderland”.
Classificação – 4 Estrelas em 5