quarta-feira, 28 de março de 2012

Crítica - The Hunger Games (2012)

Realizado por Gary Ross
Com Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Stanley Tucci, Elizabeth Banks

First things first: “The Hunger Games” não é o novo “Twilight”. Numa altura em que a saga de Bella Swan e companhia se começa a aproximar do seu final cinematográfico, muitas foram as vozes que não hesitaram em apontar “The Hunger Games” como o substituto perfeito do franchising produzido pela Summit Entertainment. E as razões para tal comparação não eram inteiramente descabidas. Pois vejamos: ambos os produtos partem de uma base literária de enorme sucesso em todo o mundo; ambos têm uma protagonista na idade da adolescência; e ambos parecem enveredar por um triângulo amoroso formado por uma rapariga indecisa e dois rapazes apaixonados. Porém, as semelhanças acabam por aqui (e ainda bem que assim é). Pois apesar de não ser uma obra absolutamente extraordinária, “The Hunger Games” possui um rol de personagens bem mais credível e um fio narrativo bem mais maduro e ambicioso. Poupando nas palavras, poderíamos resumir a comparação entre estas duas sagas da seguinte maneira: “Twilight” tem um público perfeitamente definido – essencialmente o público adolescente; “The Hunger Games” tenta chegar um pouco mais longe e captar a atenção de um público mais adulto. Por tudo isto e por muito mais, é importante fixar a ideia de que apelidar “The Hunger Games” de novo “Twilight” é cometer um pecado maior do que abrir uma Bíblia de Satanás no cerne do Vaticano.



Esta primeira parte de uma saga que começa já a moldar-se no milionário horizonte hollywoodesco trata essencialmente de familiarizar o espectador com este mundo futurista e excêntrico, apresentando-lhe um conjunto de personagens dúbias e multidimensionais que o deixam sempre ligeiramente inquieto. A América do Norte já não existe como a conhecemos. Devastada pela guerra, pela fome e pela crise social, transformou-se num único país chamado Panem, uma espécie de estado autoritário dividido em doze distritos e governado com punho de ferro pelos snobs do Capitol – a grande capital. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) é uma das pobres residentes do distrito 12, um distrito onde a fome e a pobreza imperam quase por completo. Responsável máxima pelo bem-estar da irmã mais nova depois do apagão de uma mãe traumatizada pela morte do marido, Katniss não se deixa abater pela cruel realidade em que vive e passa os dias a caçar na floresta com o seu arco e flecha. Mais que adaptada a esta triste realidade, ela vive em paz e em sintonia com a natureza. Porém, a 74ª edição dos Jogos da Fome – uma competição onde 24 jovens dos doze distritos lutam pela sobrevivência como tributo à benevolência dos senhores do Capitol – está próxima de se realizar e todos começam a entrar em alvoroço. E quando Katniss se vê obrigada a participar nos jogos para salvar a vida da irmã inocente, todo o seu mundo se altera por completo. Pois se quiser sobreviver ao desafio e regressar para tomar conta da irmã, ela terá de assassinar os restantes 23 participantes. E tal proeza não será fácil de atingir, até porque as probabilidades nunca estão do lado dos participantes dos distritos mais carentes…




Curiosamente, a primeira metade do filme funciona melhor do que a segunda. Seria de esperar que a segunda metade fosse a mais entusiasmante, já que o desenrolar dos jogos da fome em si é que é o grande chamariz da película. Contudo, a partir do momento em que os jogos começam, a narrativa vai perdendo força a um ritmo deveras alucinante, terminando mesmo com um último acto que quase deita tudo a perder. Enquanto o sórdido e insólito mundo de Panem nos vai sendo apresentado e enquanto vamos conhecendo personagens tão inquietantes como Effie Trinket (Elizabeth Banks), Caesar Flickerman (Stanley Tucci) e Seneca Crane (Wes Bentley), “The Hunger Games” desabrocha como um belo e interessante filme de ficção-científica, que pretende fazer mais do que entreter o grande público. De facto, a crítica mordaz à sociedade moderna está presente em todos os planos de câmara, mostrando-nos o quão perto estamos de nos tornar uma sociedade absolutamente frívola, ignorante e pouco inteligente. Se à partida os jogos da fome nos parecem inconcebíveis num mundo real e se as personagens excêntricas e mesquinhas do Capitol nos parecem irrisórias, pensemos um pouquinho em certas personalidades do Jet Set português e nos reality shows em que elas já entraram, e decerto chegaremos à conclusão que não nos encontramos assim tão distantes do abismo social. Esta mensagem (que funciona também como uma séria chamada de atenção) acaba por ser um dos pontos fortes da película, tornando a sua narrativa mais madura e pertinente do que poderíamos imaginar. Mas quando os jogos começam, o fio narrativo toma outra direcção e a película tomba facilmente numa banalidade escusada. A partir daí é sempre a cair, com a previsibilidade e o desleixe dos acontecimentos-chave da trama a virem ao de cima.




Talvez a longa duração da película tenha assassinado a consistência narrativa da mesma. Isto porque a primeira metade do filme evolui com o ritmo ideal, respeitando a idiossincrasia das personagens e permitindo que o espectador compreenda aquilo que as move sem grandes artifícios. Mas a segunda metade já despacha cenas atrás de cenas como se estivesse sempre a olhar para o relógio, apressando momentos que necessitariam de mais tempo para funcionarem em pleno e com isso retirando credibilidade aos eventos retratados. O final sensaborão e incompleto é o melhor exemplo disso mesmo. Exigia-se um final mais emocionante e com muito mais impacto, mas tal coisa não chega a suceder. O que é uma pena, pois o filme perde muitos pontos com esse descuido. Com o desaparecimento das personagens mais deliciosas a partir do momento em que os jogos começam a desenrolar-se, quem acaba por carregar com o filme às costas é a bela e talentosa Jennifer Lawrence. Confirmando as boas indicações que já havia lançado no drama indie “Winter’s Bone”, a jovem Lawrence demonstra possuir a força e o carisma necessários para arcar com o protagonismo de uma produção destas dimensões. Pena é que os seus companheiros adolescentes não estejam ao mesmo nível. O que não impede que “The Hunger Games” se afirme como um dos filmes mais interessantes do ano, valendo a pena esperar pela continuação da história.

Classificação – 3,5 Estrelas Em 5

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