domingo, 12 de fevereiro de 2012

Crítica - The Iron Lady (2011)

Realizado por Phyllida Lloyd
Com Meryl Streep, Jim Broadbent, Olivia Colman

Se não soubéssemos melhor, diríamos que a argumentista Abi Morgan andou em conluio com Dustin Lance Black para escrever aquilo que parece ser a versão feminina de “J. Edgar”. De facto, as semelhanças entre o menosprezado filme de Clint Eastwood e este “The Iron Lady” são mais que muitas. Pois vejamos: ambos abordam a história de vida de figuras polémicas e austeras ligadas à política internacional; ambos tentam humanizar essas mesmas figuras, mas nem sempre o fazem da melhor maneira; ambos possuem estruturas narrativas pouco convencionais, arquitectadas à base de flashbacks que colocam o espectador numa espécie de viagem constante entre o passado e o presente; e ambos têm ficado aquém das expectativas, sendo alvo de inúmeros ataques por parte da crítica especializada. É óbvio que “J. Edgar” possui um estilo mais próprio do film noir, enquanto que “The Iron Lady” se aproxima mais do classicismo tão característico das produções britânicas. Mas ambos parecem ser duas faces da mesma moeda, partilhando trunfos mas também alguns defeitos. Se Leonardo DiCaprio era a força maior da obra de Eastwood, Meryl Streep é inquestionavelmente o grande diamante da obra de Phyllida Lloyd. E se a estrutura narrativa algo caótica e negligente de “J. Edgar” deitava por terra todo o trabalho dos actores, a estrutura episódica de “The Iron Lady” retira algum impacto às acções de uma figura incontornável da História britânica, ainda que Streep se encarregue de manter os olhos do espectador bem colados à tela.


A película abre então com o retrato do dia-a-dia decrépito e enfadonho de Margaret Thatcher (sempre brilhante Meryl Streep), a senhora que chegou a ser a figura mais poderosa da Grã-Bretanha mas que agora vive dias de autêntico declínio. A caminhar para a senilidade, Margaret vive numa espécie de realidade alternativa, continuando a falar com o marido (Jim Broadbent) falecido há vários anos e insistindo em agir como se ainda detivesse as rédeas do poder político. Tanto os médicos como a filha (Olivia Colman) aconselham-na a livrar-se dos pertences do marido de uma vez por todas, de forma a esquecer um passado que só lhe traz mágoas e quiçá afugentar as alucinações que tanto transtorno lhe causam. E, ainda que renitente, Margaret decide acatar esses conselhos, começando então a esvaziar os armários e as gavetas pertencentes ao marido fenecido. Mas cada peça de roupa, cada berloque empoeirado, cada sapato encostado a um canto possui um significado tremendo para ela. E como tal, enquanto se vai forçando a enfiar o passado num saco do lixo, Margaret vai também revivendo as suas próprias memórias, recordando os dias de afirmação no parlamento britânico até atingir o posto que se julgava impossível: o posto de primeira-ministra.


Até com esta sinopse dominada pela presença da dama de ferro vemos que não há hipótese de escapar ao óbvio: “The Iron Lady” é carregado às costas pela grande senhora do cinema que é Meryl Streep. Streep é de tal forma poderosa e dominadora que chegamos a ter a sensação de que este filme foi feito única e exclusivamente para lhe dar o tão ambicionado terceiro Óscar da carreira. Assim como “J. Edgar” teria sido um fracasso ainda maior sem o carisma e a competência de Leonardo DiCaprio, este “The Iron Lady” não teria nem um terço da força que tem sem os préstimos da comummente designada maior actriz de todos os tempos. As nomeações para prémios cinematográficos são já tantas que damos por nós a desconfiar se Streep não terá já lugar cativo neste tipo de cerimónias, deturpando um pouco o real valor das mesmas. Mas após uma performance tão arrebatadora (mais uma para juntar a tantas outras) como esta, vemos que não é bem assim. Streep não é constantemente nomeada pelas costas quentes que possui. Ela está sempre presente neste tipo de cerimónias porque é, muito simplesmente, um enorme bicho de palco. A senhora nasceu para representar, que ninguém tenha dúvidas disso. Neste filme em particular, mais do que imitar os trejeitos de Margaret Thatcher, ela transforma-se autenticamente na dama de ferro, deixando qualquer um siderado na cadeira. A sua presença é tão forte e hipnotizante que muitos dos defeitos desta obra quase passam despercebidos aos olhos do espectador menos atento. E isso é de louvar, embora não possamos fechar os olhos a dois ou três aspectos mais negativos que acabam por saltar à vista ao longo da película.


Para começar, o trailer é algo enganador. Quem estiver à espera de um biopic clássico e convencional terá grandes probabilidades de se sentir defraudado. Como já se deixou bem claro, esta obra é mais sobre os últimos anos de Margaret Thatcher do que os seus anos de ascensão política. Por vezes sentimo-nos como se estivéssemos a assistir a um parente pobre de “A Beautiful Mind”, do oscarizado realizador Ron Howard. Os episódios mais polémicos e espinhosos da sua carreira enquanto primeira-ministra são tratados como isso mesmo: episódios curtos e aleatórios, como se se pretendesse apenas fazer um apanhado daquilo que foi a carreira política da dama de ferro. E isto faz com que a obra perca algum impacto e se torne mesmo enfadonha em determinados momentos. O argumento de Abi Morgan denota alguma ambição e sentido de originalidade. Nas mãos de um realizador genial poderia dar algo de verdadeiramente extraordinário. Mas nas mãos de Phyllida Lloyd (realizadora de “Mamma Mia”) acaba por dar em algo insípido e com um potencial desaproveitado. Todavia, não é por isso que “The Iron Lady” deixa de ser um filme competente e que se acompanha com todo o agrado. Talvez seja até mais equilibrado do que o próprio “J. Edgar”. Mas nota-se claramente que Lloyd esconde as suas inseguranças atrás da performance de Meryl Streep, como se estivesse disposta a apontar-lhe a câmara em regime de full-time e deixá-la conduzir a película como bem lhe aprouvesse. E por muito brilhante que Streep seja, nem mesmo ela consegue criar uma obra-prima só e abandonada, sem a ajuda de uma realizadora que tenha estaleca para contribuir com mais do que meras indicações pontuais.

Classificação – 3,5 Estrelas Em 5

0 comentários :

Postar um comentário