quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Crítica - Chronicle (2012)

Realizado por Josh Trank
Com Dane DeHaan, Alex Russel, Michael B. Jordan

Não podemos deixar de pensar que era assim que “Dragonball Evolution” devia ter sido concebido. Se o trágico pseudo-filme de James Wong tivesse exibido um pingo da competência e da criatividade deste “Chronicle”, decerto teria sido recebido pelo público em geral com muito menos animosidade. Não que esta surpreendente e extremamente curiosa fita de acção realizada pelo muito novato Josh Trank partilhe muitas semelhanças com o núcleo duro do célebre anime japonês, mas algumas das sequências de luta em pleno voo picado fazem-nos lembrar Songoku e companhia limitada. Para dizer a verdade, “Chronicle” apresenta um código genético muito mais próximo de fitas como “Cloverfield”, “X-Men” e até mesmo “Star Wars: Episode III – Revenge of the Sith”. E o que é de louvar é que parece absorver com sucesso todos os pontos fortes dessas películas de renome, colocando o nome de Josh Trank na lista de jovens realizadores a seguir com atenção nos próximos anos. Há uma coisa que desfavorece esta película: a sua data de estreia. Ser lançado no mercado numa altura em que a 84ª edição dos Óscares está na berra não me parece a melhor estratégia de marketing que se poderia engendrar, porque levará muitos espectadores a ignorar a sua estreia. Chegando às salas de cinema na mesma altura de filmes como “The Artist”, “The Descendants”, “Hugo” ou “War Horse”, “Chronicle” só poderá mesmo ficar a perder, até porque não será propriamente um portento cinematográfico. Não é material de Óscar e isso pode fazê-lo passar despercebido numa altura destas. Mas não se iludam. “Chronicle” pode não ter o estofo ou a consistência narrativa dos melhores filmes do ano, mas é certamente um espectáculo visual que se acompanha com todo o agrado, usufruindo até de espaço para transmitir mensagens bastante interessantes.


O fio narrativo é simples e não tem muito que enganar. Andrew (Dane DeHaan) é o típico rapaz adolescente que é enxovalhado por tudo e por todos, sem nenhuma razão aparente. A sua vida é um inferno e ele não sabe para onde se há-de virar. Na escola, todos o gozam e ninguém se arrisca a oferecer-lhe uma mão amiga. Em casa, o pai reformado por invalidez embebeda-se a toda a hora e minuto, fazendo-lhe a vida negra com cenas de pancadaria e discussões constantes. E para facilitar as coisas, a mãe – seu único suporte emocional – encontra-se às portas da morte com uma doença fatal que nem lhe permite levantar-se da cama. Graças a este prisma de negrume completo, Andrew desenvolve uma personalidade reservada e pouco dada a amizades, encontrando numa velha câmara de filmar a única escapatória possível para toda aquela miséria. Porém, tudo se altera quando ele, o primo Matt (Alex Russel) e o popular Steve (Michael B. Jordan) se deparam com uma descoberta inusitada: um grande buraco no chão de uma floresta inóspita emite estranhas sonoridades e o trio de rapazes decide investigar os seus segredos. No interior do buraco, descobrem um objecto bizarro que depressa os deixa inconscientes. Mas em vez de morrerem naquele preciso momento, os rapazes descobrem que o objecto supostamente alienígena lhes concedeu poderes extraordinários. De repente, Andrew, Matt e Steve são capazes de voar e de mover diferentes objectos com o poder da mente. E isso faz com que eles se divirtam à fartazana, fazendo pouco dos comuns mortais que os rodeiam. Até ao dia em que Andrew se deixa levar pelo ódio que o seu coração alberga e os outros dois percebem que têm ali um problema bicudo para resolver…


“Blair Witch Project”, “[REC]” e “Paranormal Activity” haviam já demonstrado que esta abordagem ao estilo de filme caseiro encaixava que nem uma luva no género cinematográfico do terror. “Cloverfield” comprovou que ela podia ser alastrada ao género do thriller. E “Chronicle” atesta que ela pode ainda ser reproduzida com sucesso no género da acção/aventura. De facto, o que estas películas têm de melhor é a forma como se servem de um realismo assombroso para envolver o espectador por inteiro na trama. No que a “Chronicle” diz respeito, o fio narrativo desenvolve-se demasiado rápido, fazendo com que as personagens passem do 8 ao 80 num piscar de olhos, o que afecta ligeiramente a credibilidade das mesmas. Por exemplo, a passagem para o lado negro de Andrew (é aqui que se encontra a tal similitude com o terceiro episódio da saga de George Lucas) desabrocha ante os nossos olhos de forma algo forçada e demasiado veloz, como se houvesse uma ânsia enorme de entrar no último terço da narrativa. Se analisarmos as coisas de forma fria e absolutamente racional, chegamos também à conclusão de que “Chronicle” não é um produto cinematográfico de uma profundidade estonteante, limitando-se a entreter o espectador com as desventuras de personagens maioritariamente previsíveis e unidimensionais. Mas se fecharmos os olhos a estes pontos mais negativos e despertarmos o nosso adormecido espírito de criança, não há como fugir ao facto de que este será um dos filmes mais divertidos, intensos e espectaculares do ano.


“Chronicle” consegue mesmo criticar o sistema escolar norte-americano, mostrando a forma como as palhaçadas de uns podem arruinar a vida de outros, deixando-lhes marcas irreversíveis na alma torturada. O espectador simpatiza de imediato com a personagem de DeHaan, puxando mesmo pelo sucesso das suas acções apesar de elas não serem propriamente aceitáveis. DeHaan, de resto, surpreende tudo e todos com uma interpretação carregada de vigor e exposição emocional, afirmando-se como um valor seguro para o futuro. E a realização vibrante e corajosa de Trank é a garantia de minutos bem passados na escuridão da sala de cinema. Razão pela qual, somado tudo isto, podemos dizer que “Chronicle” não é um colosso, mas também está muito longe de ser a fita juvenil e inconsequente que muitos julgarão que será. Vale a pena a deslocação ao cinema, e isso é dizer muito.

Classificação – 3,5 Estrelas Em 5

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