segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Crítica - Carnage (2011)

Realizado por Roman Polanski
Com Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz, John C. Reilly

Adaptado da peça teatral “Le Dieu du Carnage”, da autoria de Yasmina Reza, “Carnage” surge no grande ecrã como uma obra deveras invulgar. Trata-se de uma obra cinematográfica, sem dúvida, e muito bem concretizada. Mas a sua génese teatral não é desrespeitada em momento algum, muito pelo contrário. Polanski terá intencionado manter-se o mais fiel possível ao material de origem, apresentando-nos uma película que tem tanto de cinema como de teatro. De facto, Polanski une aquilo que estas duas artes têm de melhor para criar uma obra tão singular quanto admirável. Apegando-se à tradição teatral, a narrativa decorre praticamente num único espaço físico (o apartamento modesto de um casal de classe média, quiçá uma tentativa de universalizar os acontecimentos aqui retratados, piscando o olho à ideia de que estes poderão não ser tão absurdos e inusitados quanto possam parecer), suficientemente amplo e rico em detalhes para permitir que as personagens desabrochem de forma natural ante o olhar atento do espectador. E recorrendo aos truques da Sétima Arte, a câmara de Polanski capta os trejeitos das personagens e o desenrolar das operações de tal forma que saímos da sala com a sensação de que fizemos mesmo parte daquela imensa discussão. Algo que só pode transformar “Carnage” num dos filmes mais curiosos e meritórios do ano.


Quando os filhos de dois casais desconhecidos chegam a vias de facto no jardim da escola que frequentam, Nancy Cowan (Kate Winslet) e Alan Cowan (Christoph Waltz) juntam-se a Penelope Longstreet (Jodie Foster) e Michael Longstreet (John C. Reilly) para uma discussão amigável entre progenitores. Agredido com um pau pelo filho dos Cowan, o rebento dos Longstreet sofre deformidades que se julgam temporárias mas que atingem um certo grau de gravidade, pelo que ambos os casais decidem que têm de ter uma conversa. Apesar de furiosos, Penelope e Michael desejam resolver as coisas a bem, estando mesmo dispostos a não causar muito furor desde que os pais do jovem agressor se mostrem sentidos e prontos a pagar as contas médicas. Nancy e Alan mostram também o seu civismo, prontificando-se a pagar tudo o que for necessário e a repreender o seu próprio filho para que tal coisa não volte a suceder. A contenda parece então prestes a resolver-se da forma mais pacífica e cordial possível. Contudo, a tensão da triste ocasião torna-se demasiado asfixiante para simplesmente se resolver tudo com um sorriso. Passadas as cordialidades da praxe, ambos os casais começam a compreender que não estão propriamente dispostos a abdicar do seu orgulho paternal. E com a fugacidade de um mero estalar de dedos, a conversa amigável transforma-se rapidamente numa discussão infernal, colocando a olho nu os verdadeiros sentimentos de quatro personagens verdadeiramente angustiadas e inadaptadas.


É uma delícia assistir à forma como Polanski despoja estas personagens de todo o seu civismo hipócrita, despindo-as de moralismos falsos e colocando-as ao dispor da mais brutal das sinceridades. Mais do que um ensaio sobre o orgulho paternal ou a gritante incongruência das leis sociais, “Carnage” é um ensaio sobre a própria natureza humana. E este ensaio é realizado de uma forma admiravelmente honesta e arrojada, estando-se nas tintas para aquilo que é considerado convencional ou apropriado. Polanski mostra o ser humano exactamente como ele é neste tipo de situações: mesquinho, orgulhoso, falso, trapaceiro. E é um alívio enorme para o espectador ver que ainda há quem tenha a coragem de retratar as coisas como elas são realmente. Os quatro (grandes) actores do elenco levam as suas personagens ao extremo, despindo-as de todo e qualquer tipo de falsidade para brindar o espectador com altas doses de veracidade humana. Não há nenhum que se destaque claramente dos outros, pois todos têm tempo de antena mais do que suficiente para brilhar bem alto. Mas importa referir que é um prazer enorme assistir ao regresso de Christoph Waltz aos papéis com substância, depois de algumas apostas de carreira algo duvidosas. As dinâmicas entre as quatro personagens são de levar qualquer psicólogo ao êxtase emocional, tal é a riqueza do conteúdo aqui apresentado. Um conteúdo que nos leva a rir às gargalhadas em determinados momentos, mas que nunca deixa de ser tremendamente realista. “Carnage” afirma-se assim como um produto cinematográfico de visionamento bastante recomendável, pecando apenas por um final demasiado abrupto e uma duração um pouco curta.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

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