quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Crítica - Melancholia (2011)

Realizado por Lars von Trier
Com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Alexander Skarsgård

O contestado e excessivo “Antichrist“ (2009), foi muito mal recebido na maioria dos mercados internacionais e envolveu Lars Von Trier numa série de controvérsias morais que mancharam a sua credibilidade e o seu estatuto artístico, no entanto, este cineasta manteve-se fiel ao seu estilo e decidiu brindar-nos com “Melancholia”, um filme dificílimo de avaliar e assimilar, mas que se assume claramente como um dos trabalhos mais fascinantes deste cineasta. A sua envolvente história existencialista centra-se, essencialmente, na relação ambivalente entre Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg), duas irmãs muito diferentes que vêm o mundo de forma descoincidente, já que Justine é tida como uma jovem excêntrica e emocionalmente instável que só consegue confiar na sua irmã mais velha, uma mulher muito sensata e tolerante que se assume como o elemento mais normal da sua família. O seu delicado relacionamento é posto à prova durante a desastrosa cerimónia de casamento de Justine com Michael (Alexander Skarsgård), e durante os dias que antecedem o inevitável fim do mundo.


A estreia mundial de “Melancholia” realizou-se no Festival de Cannes, onde também estreou “The Tree of Life”, um drama humanista com claras tendências divinas de Terrence Malick, que acabou por vencer a icónica Palma de Ouro de Melhor Filme. É verdade que estes dois filmes têm certas semelhanças, mas o trabalho de Von Trier é, no meu entender, muitíssimo mais astuto, realista e interessante que o do seu camarada norte-americano. A também difícil história “The Tree of Life”, aborda os dilemas e as dificuldades da existência humana através de ideias divinos e até ver fantasiosos, que sustentam a existência de uma entidade omnisciente que criou a Terra e o Universo. É claro que esta análise tem os seus méritos e é muito mais reconfortante e harmoniosa que aquela que é feita por Von Trier em “Melancholia”, um filme muito duro mas neutro, onde reina a ideia ateísta que a Humanidade não é controlada nem foi criada por um ser divino que salvará as nossas almas. A vida humana é, desta forma, tida como a única certeza nesta obra, cujo enredo se divide em três segmentos: um prólogo, um casamento e o final do mundo.


O prólogo é uma sequência puramente artística que é formada por uma série de cenas muito refinadas que têm como fundo sonoro o fantástico “Tristan und Isolde - Prelude”, o inicio da famosa ópera que foi criada por Richard Wagner no Século XIX. É durante esta sequência que somos brindados com uma assombrosa visão afastada do catastrófico embate do Planeta Melancholia com a Terra. O seu segundo segmento, mostra-nos uma calamitosa festa de casamento, onde ficamos a conhecer as duas intervenientes centrais do filme: Justine e Claire. O evento tem uma essência tradicional, mas os traumas e os medos irracionais de Justine, acabam por transforma-lo numa enorme farsa matrimonial cheia de simbolismos, onde reina o cinismo e a ironia. Os vários encontros que Justine tem com os seus familiares e convidados, são, na sua maioria, muito exuberantes e mostram-nos que ela é uma mulher muito instável que nutre um certo desdém por tudo e por todos, mas indicam também que a sua irmã mais velha é a única pessoa que a aceita tal como ela é, sendo por isso a sua única aliada. Von Trier utiliza Justine e os seus altos e baixos para abordar, com uma certa leveza e astúcia, o lado mais constrangedor e extrovertido da socialização humana, mas também para nos preparar para o último segmento do filme, esse sim muito mais sério e verdadeiramente melancólico. A sua terceira e última parte aborda então o fim do mundo, que é provocado pelo embate entre a Terra e o Planeta Melancholia. É claro que este embate não tem nenhuma base científica e serve apenas para reforçar a fragilidade emocional e sentimental da humanidade, mas é mesmo assim, um dos elementos fulcrais do filme. Após o previsível fracasso do seu casamento, Justine entrou num profundo estado depressivo e mudou-se definitivamente para a mansão de Claire que, uma vez mais, decidiu tomar conta dela. O estado de Justine é motivado pelos vários problemas da sua vida, mas também pelas suas visões futuristas que lhe mostram o iminente final da vida terrestre, preparando-a assim para o que aí vem. Se durante o casamento e toda a sua vida, Claire foi o apoio emocional de Justine, nos últimos dias do Planeta Terra, as situações invertem-se e uma já curada e conformada Justine, cuida da sua irmã, dando-lhe conselhos sobre como lidar com a inevitável catástrofe. O fatalismo e melodramatismo deste último segmento é evidente, mas existe nesta última hora de filme uma brutal honestidade que evidencia a nossa essência humana, e o lado mais sentimentalista e existencialista de Von Trier.


A realização de Lars Von Trier é, mais uma vez, excelente. O seu talento nunca foi colocado em causa por ninguém, e salta novamente à vista em várias sequências como o prólogo ou a conclusão. A cenas onde o Planeta Melancholia aparece no céu são sublimes, e realçam o lado artístico desta obra que até é um dos filme menos “art house” da carreira do cineasta. Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg estão sublimes como Justine e Claire. As duas actrizes mostram-nos toda a sua habilidade com estes seus carismáticos trabalhos que merecem todos os elogios possíveis. O seu elenco secundário também se exibe a um bom nível, mas Dunst e Gainsbourg são indiscutivelmente as estrelas de “Melancholia”. Eu admito que não sou o maior fã de Lars Von Trier, mas este seu "Melancholia" convenceu-me com a sua irreverência filosófica e excelência intelectual. É verdade que não é um filme para todos, mas é sem dúvida uma das melhores obras dramáticas do ano.

Classificação – 4,5 Estrelas em 5

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