quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Crítica - Black Swan (2010)

Realizado por Darren Aronofsky
Com Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Barbara Hershey, Winona Ryder

Depois do magnífico “The Wrestler” – que devolveu Mickey Rourke ao seu habitat natural e que foi ligeiramente ignorado pelas várias cerimónias de prémios de cinema –, Darren Aronofsky regressa às luzes da ribalta com um filme que aborda o clássico bailado “O Lago dos Cisnes” de uma forma muito peculiar. Apesar de possuir apenas cinco longas-metragens (com este “Black Swan” já incluído) no currículo, Aronofsky tem-se afirmado como um daqueles realizadores que depressa carimba a Sétima Arte com uma forma de contar histórias muito própria e simplesmente avassaladora. A cada filme que passa, o modo de filmar deste jovem e genial realizador nova-iorquino transforma-se numa marca registada. Uma marca repleta de brilhantismo, criatividade artística, arrojo visual e sublime intensidade narrativa. De certa forma, “Black Swan” é uma espécie de versão feminina de “The Wrestler”. As semelhanças são mais que muitas, ainda que esta nova obra esteja muito longe de ser uma cópia do tour-de-force de Mickey Rourke. E se “The Wrestler” era uma obra absolutamente brilhante a todos os níveis… este “Black Swan” é uma autêntica obra-prima do cinema contemporâneo, ficando-lhe desde já assegurado um lugar muito especial na História das artes audiovisuais.


Aqueles que pensam que “Black Swan” não passa de um filme de ballet para meninas mimadas podem, imediatamente, começar a tirar o cavalinho da chuva. Pois estamos na presença de um dos filmes mais perturbadores, intensos e mesmo chocantes de toda a temporada cinematográfica. Por detrás do véu de graciosidade e de excelso requinte musical, os bailados clássicos estão repletos de negrume, de figuras assustadoras e de tragédia. Algo que Aronofsky captou na perfeição, fazendo deste “Black Swan” uma das obras mais arrepiantes e impressionantes de todos os tempos. Correspondendo aos desejos mais ardentes da personagem principal, tudo neste filme é absolutamente perfeito. Desde a encenação das danças carregadas de energia macabra ao retrato sempre angustiante de como a protagonista cai, lenta e desamparadamente, nas malhas da insanidade delirante. O que transforma “Black Swan” numa obra de visionamento obrigatório, goste-se ou não de ballet e de filmes onde cada posicionamento de câmara é tratado com o máximo cuidado possível (pois a câmara quase se transforma numa actriz da narrativa, estando sempre posicionada de acordo com um propósito previamente estabelecido).
A história permite-nos acompanhar a vida artística de Nina Sayers (avassaladora e deslumbrante Natalie Portman). Nina é uma bailarina repleta de talento e obcecada pela absoluta perfeição. Tecnicamente, não há nenhuma bailarina do corpo de ballet a que pertence que lhe chegue aos calcanhares. Cada movimento dos seus passos de dança é efectuado com brio e absoluto rigor. Porém, a rigidez e a frigidez que marcam a sua personalidade prejudicam-na sobremaneira, dado que não lhe permitem soltar as verdadeiras emoções no palco cintilante. Exageradamente mimada e tratada como uma menina inocente pela mãe controladora (Barbara Hershey), Nina tem dificuldades em potenciar todas as suas qualidades e até a sua vida social sofre com isso. Mas é então que Thomas Leroy (Vincent Cassel) – o director artístico do corpo de ballet – dá início a um casting para decidir quem irá interpretar a Rainha dos Cisnes na sua versão d’”O Lago dos Cisnes”. Inesperadamente, Nina é seleccionada. Porém, depressa vê a manutenção do seu papel ameaçada quando Lily (Mila Kunis) entra em cena. Enquanto Nina é perfeita para interpretar o papel do Cisne Branco (dócil e deslumbrante), Lily é a imagem imaculada do Cisne Negro (viril e impetuoso). E perante a constante incapacidade de Nina se soltar e assim se revelar capaz de interpretar a face mais negra da Rainha dos Cisnes, Thomas começa a pensar se Lily não será uma melhor escolha para este mais fulcral dos papéis. Algo que dá origem a uma rivalidade bravia entre as duas bailarinas e que leva a doce e inocente Nina Sayers a transformar-se num perverso e luxurioso cisne negro…


Estamos perante uma obra que, decerto, ficará na memória dos espectadores por muitos e bons anos. Uma obra repleta de estrondosas sonoridades que nos arrepiam e fabulosas imagens que nos trazem as lágrimas aos olhos. A realização de Aronofsky é absolutamente irrepreensível, mergulhando-nos num mundo de delirante tragédia com uma destreza e um brilhantismo apenas ao alcance dos maiores génios da Sétima Arte. Ao mesmo tempo que faz uma reflexão sobre as consequências de um mundo cada vez mais competitivo e das neuroses obsessivas que dele podem provir, “Black Swan” não vira as costas ao género fantástico, brindando o espectador com algo de verdadeiramente único e dificilmente olvidável. Se o primeiro acto do filme pode vir a aborrecer quem não for fã de um cinema que gosta de aprofundar a idiossincrasia das suas personagens… o segundo acto deixa-nos completamente siderados com uma intensidade (dramática e narrativa) que nos cola à cadeira e nos faz bater palmas mal aparecem as primeiras palavras do genérico final. E tudo isto é obra de Aronofsky, que não tem medo de arriscar e de almejar resultados finais ímpares na cinematografia mundial (e que bom que é para a vitalidade do cinema continuarem a surgir realizadores desta natureza).
Natalie Portman está também de parabéns, pois a sua interpretação da delirante e desesperada Nina Sayers ultrapassa tudo aquilo que se poderia esperar, oferecendo-nos momentos de cinema que dificilmente conseguiremos esquecer. Anuncia-se então uma batalha feroz entre ela e Annette Bening na corrida pelo Óscar de Melhor Actriz Principal deste ano. Embora ache que o prémio não deve escapar a Bening, por questões mais políticas do que artísticas (não esqueçamos que Bening nunca ganhou o Óscar – nem mesmo por “American Beauty” –, podendo surgir um certo efeito de compensação; para além disso, com uma eventual condecoração da sua interpretação em “The Kids Are All Right”, a Academia pode querer demonstrar que está a favor dos casamentos homossexuais, o que lhe fica sempre bem em termos de status social).


Mas não entremos nesse tipo de discussões aqui e agora. Aqui e agora, vale apenas afirmar a pés juntos que “Black Swan” é um autêntico prodígio cinematográfico, cativante do início até ao fim e deslumbrante a todos os níveis possíveis e imaginários. Na minha opinião, deixa “The Social Network” – o grande favorito desta edição dos Óscares – a milhas de distância. No dia 27 de Fevereiro, a ver vamos se Aronofsky consegue fazer uma gracinha. É pouco provável. Mas isso também não importa. Porque, isto sim, é cinema em todo o seu esplendor! E não é uma estátua dourada que lhe vai acrescentar ou retirar qualquer mérito.

Classificação – 5 Estrelas Em 5

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