domingo, 5 de dezembro de 2010

Crítica - Machete (2010)

Realizado por Robert Rodriguez e Ethan Maniquis
Com Danny Trejo, Jessica Alba, Michelle Rodriguez, Jeff Fahey, Robert De Niro, Lindsay Lohan, Steven Seagal

“Machete” é um daqueles filmes inteiramente concretizados a pedido do público. No ano de 2007, o ambicioso (e fracassado) “Grindhouse” aterrava nas salas de cinema com a proposta de uma dose cinematográfica dupla, ao estilo e em honra dos filmes de acção de série B tão populares entre as décadas de 80 e 90. “Grindhouse” dava-nos a conhecer duas obras tresloucadas – “Planet Terror” e “Death Proof” – que tinham em comum o gosto pela violência sem limites e por um tipo de cinema em aceleradas vias de extinção (o comummente denominado “cinema chunga”). No intervalo entre cada uma das obras (realizadas por Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, respectivamente), surgiam trailers falsos de filmes tão “chungas” como aqueles para os quais tínhamos pago o bilhete de entrada (ou pelo menos assim foi nos primeiros tempos das exibições norte-americanas, antes dos produtores terem chegado à conclusão de que “Planet Terror” e “Death Proof” teriam melhores hipóteses de agradar ao público se vissem a sua duração estendida e a sua exibição separada). Ora, um desses trailers falsos era precisamente este “Machete”, sugerindo-nos a história de um mexicano sem nada a perder que, para sobreviver a uma emboscada e vingar a morte da sua família assassinada, desatava a correr atrás dos mauzões da fita com uma longa e brutal arma branca nas mãos (a tal machete que dá nome à película). Eu diria que foi amor à primeira vista. Um ou dois minutos do actor Danny Trejo com ar de mau e uma machete nas mãos foram o suficiente para que os cinéfilos não mais largassem Rodriguez e Tarantino, insistentemente fazendo-lhes a seguinte questão sempre que os encontravam na rua ou numa conferência de imprensa aberta ao público: para quando a concretização de “Machete” enquanto longa-metragem palpável e real? E agora, já todos sabemos a resposta a essa grande questão: Setembro de 2010 nos Estados Unidos da América e Novembro do mesmo ano em terras lusitanas.


Como seria de esperar num filme que pretende homenagear o cinema de série B, a narrativa é simples e vai directa ao assunto. Machete Cortez (Trejo) é um ex-agente da polícia mexicano que, ao combater um perigoso barão da droga chamado Torrez (Steven Seagal no seu registo habitual), se vê despojado de tudo aquilo que ama e que confere algum sentido à sua existência. A sua esposa e filha são brutalmente assassinadas e o próprio Machete acaba por cair aos pés do seu mais temido inimigo. Mostrando-se um ser cruel e insensível, Torrez poupa-lhe a vida apenas para que ele saiba o que é viver sem carinho e sem rumo aparente. Alguns anos mais tarde, já sob o estatuto de imigrante ilegal num Texas onde as armas de fogo são lei irrefutável, o guerreiro mexicano é contratado para limpar o sebo ao Senador John McLaughlin (Robert De Niro numa espécie de caricatura dupla de George W. Bush e John McCain), um governante sem escrúpulos que despreza por completo a raça mexicana e que pretende acabar de vez com a entrada ilegal desta raça nas terras do Tio Sam. Porém, a reviravolta acontece quando Machete é (uma vez mais) traído por aqueles que o tinham contratado, vendo-se assim obrigado a entrar numa nova campanha de vingança onde o sangue jorrará sem parar e onde apenas Sartana Rivera (Jessica Alba no papel de uma agente da imigração americana com ascendência mexicana) e Luz (Michelle Rodriguez como a líder da revolução mexicana) se afirmarão como suas fiéis aliadas.
“Machete” é um dos filmes mais loucos e arrojados dos últimos anos. Consegue ser ainda mais tresloucado do que as duas películas que compunham o díptico “Grindhouse”. Rodriguez e Maniquis demonstram aqui não possuir qualquer tipo de temor para com o puritano e, por vezes, paranóico comité de censura norte-americano. Aqueles que estiverem a pensar deslocar-se ao complexo de cinemas mais próximo para visionar este “Machete” ficam desde já avisados: preparem-se para dezenas de palavrões, provocações às entidades mais sacras da sociedade, nudez sem preconceitos e quase digna de um filme pornográfico e, acima de tudo isto, sangue… muito, muito sangue.


“Machete” consegue fazer jus a tudo aquilo que prometia. De tal forma que estamos perante um dos expoentes máximos daquilo que foi (e ainda continua a ser, embora em número de produtividade mais reduzido) o típico cinema de acção de série B. Sempre com uma ironia e um humor mordaz à mistura (ou não fosse Robert Rodriguez de ascendência mexicana), “Machete” aborda aquilo que de mais negro os Estados Unidos da América têm, denunciando sem qualquer tipo de problema a forma como a suposta “terra da liberdade” fecha as portas e maltrata aqueles que somente reclamam melhores condições de vida e uma segunda oportunidade. Claro que a película não escapa a um certo caricaturismo que transforma esta mensagem política subjacente em algo que deve ser levado pouco a sério. Mas ainda assim, a mensagem está lá, tão visível como uma chapada de luva branca para quem estiver com disposição de apreendê-la.
“Machete” é um filme de acção pura e dura. É puro cinema de entretenimento e nada mais que isso. Embora seja filmado com um estilo e um arrojo visual muito próprios do cinema de Rodriguez (o mesmo realizador de filmes como “Desperado” e “Once Upon a Time in Mexico”). Pouco do que se vê é para ser interpretado com uma seriedade rígida e intransponível. O Machete de Danny Trejo assume-se como um autêntico James Bond do povo mexicano, levando tudo à frente dele e indo para a cama com todas as mulheres bonitinhas que lhe assomem ao caminho. A própria banda-sonora de John Debney e Carl Thiel em muito contribui para o espírito cómico, satírico e descontraído de toda a película (com particular destaque para as cenas de nudez, onde se escutam imediatamente notas musicais próprias dos referidos filmes XXX).


O factor mais negativo da película acaba por se encontrar numa narrativa, em certos pontos, desequilibrada e sem forças para se aguentar até ao fim com a mesma dose de frescura e criatividade artística. “Machete” começa de forma excelente, cai um pouco à medida que a narrativa se vai desenrolando e termina de forma ligeiramente desapontante. Apontam-se mesmo algumas (desnecessárias) falhas de realização e consistência narrativa na recta final, com várias personagens a aparecer no local exacto de forma demasiado certinha e conveniente. Não sei se este desequilíbrio terá alguma coisa a ver com Ethan Maniquis, mas algo me diz que se Rodriguez tivesse assumido o total controlo da realização, alguns destes pormenores teriam sido resolvidos de forma bem mais eficaz. Como tal não aconteceu, “Machete” desabrocha como um tresloucado filme cómico de acção com alguma mensagem política, que poderia ter ido bem mais longe do que acaba por ir.

Classificação – 3 Estrelas Em 5

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