quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Crítica - Let Me In (2010)

Realizado por Matt Reeves
Com Chloe Grace Moretz, Kodi Smit-McPhee, Richard Jenkins, Elias Koteas

No ano de 2008, em plena ascensão do fenómeno “Twilight” no mundo da Sétima Arte, “Let The Right One In” – aclamadíssimo filme de vampiros do sueco Tomas Alfredson, adaptado do romance homónimo de John Ajvide Lindqvist – encantou a crítica especializada e reavivou o prestígio dos noctívagos descendentes de Drácula. Afastando-se do espírito mais popularucho e juvenil inerente ao legado de Stephenie Meyer, a obra-prima sueca deu-nos a conhecer duas personagens que, apesar de não passarem de crianças de 12 anos de idade, tinham muito para nos ensinar. “Let The Right One In” estava longe de ser um filme comercial. A sua narrativa decorria em passada lenta e reflexiva, oferecendo-nos uma abordagem verdadeiramente original ao mundo dos vampiros, ao mesmo tempo que, sem medos e com grande ambição, encarava temas tão complexos como o bullying e o efeito devastador de um divórcio sobre uma criança carente e introspectiva. Não estávamos aqui a falar de romances adolescentes saídos da série “Dawson’s Creek”. Com “Let The Right One In”, estávamos a falar de duas personagens que, apesar de serem crianças, apresentavam uma maturidade digna de registo e uma profundidade dramática que facilmente levava o espectador a apaixonar-se por elas.
A obra de Tomas Alfredson foi de tal forma bem recebida pela crítica (e por algum público), que o remake americano não se fez esperar. Infelizmente, o público norte-americano tende a ter alguma aversão a tudo o que não seja falado em inglês. Seja por terem preguiça de ler as legendas, seja por se acharem demasiado importantes para prestarem atenção ao cinema que provém de outros países, o certo é que muito poucos americanos se dignam a ver uma obra estrangeira. Razão pela qual o remake de qualquer obra estrangeira se torna, cada vez mais, uma inevitabilidade. O grande problema deste modo de actuar (e de pensar) é que, na grande maioria das vezes, o remake fica a léguas da qualidade do filme original. E como consequência disto, muitas grandes obras europeias, asiáticas ou sul-americanas acabam por não ter a promoção que mereciam naquele que é, muito provavelmente, o mais poderoso e mediático mercado cinematográfico do mundo.


E é devido a este historial de remakes fracassados que a versão americana de “Let The Right One In” suscitou inúmeras dúvidas e receios. Compreensivelmente, muitos fãs da obra de Alfredson temiam que esta se tornasse vulgar e pipoqueira nas mãos de uma indústria que, na generalidade dos casos, privilegia as receitas do box-office em vez da qualidade artística da película. Pois bem… para bem da Sétima Arte e da obra original do escritor John Ajvide Lindqvist, nada disto acabou por se confirmar. Os fãs que tenham dúvidas em ir ver este remake norte-americano, bem que podem ficar descansados. Apraz-me imenso dizer que “Let Me In” se encontra num patamar qualitativo muito semelhante ao filme original, preservando por inteiro o espírito e a atmosfera da grandiosa película sueca. Facto para o qual a participação do próprio Lindqvist na construção do argumento americano muito terá contribuído…
A narrativa deste “Let Me In” é idêntica à do filme original. Owen (Kodi Smit-McPhee) é um rapaz de 12 anos extremamente tímido e isolado. Os seus pais estão a passar por um conflituoso divórcio e três rufias com a mentalidade de um orangotango fazem-lhe a vida negra na escola. Aos seus olhos, a vida é negra e terrivelmente desencantada. Até ao dia em que Abby (Chloe Grace Moretz) – uma estranha rapariga da mesma idade, aparentemente tão tímida e introspectiva quanto ele – se muda para o apartamento vizinho. De forma algo periclitante e mesmo bizarra, os dois miúdos metem conversa e, aos poucos, acabam por se tornar melhores amigos. Uma paixão tão poderosa quanto inocente desflora no coração de ambos. Mas tão simbiótica amizade vai ser posta à prova com a descoberta de que Abby é, na realidade, uma vampira com insaciável fome de sangue. E apenas a força do mais platónico dos amores poderá superar esta insólita contrariedade, e também salvar Abby da perseguição do polícia (Elias Koteas) que investiga os brutais assassinatos da vampira.


Matt Reeves foi o realizador do surpreendente “Cloverfield”. Devo dizer que, aquando da confirmação do seu nome para o posto da realização deste remake, uma certa brisa de alívio percorreu-me a alma. Claro que “Let Me In” é um projecto com características totalmente diferentes, mas ainda assim, sempre tive a convicção de que quem consegue criar um ambiente de tensão tão tenebroso como o verificado em “Cloverfield”, decerto faria um bom trabalho com a obra de Lindqvist. E neste caso, ter razão foi um prazer indescritível. “Let Me In” é um filmaço com letras maiúsculas. A sua qualidade é de tal forma elevada, que é difícil dizer qual dos dois é o melhor: se o original “Let The Right One In”, se este magnífico remake. Comparando-os directamente, o mais justo será dizer que ambos têm coisas em que são melhores e outras em que são piores. O filme original talvez seja superior em termos de consistência narrativa e fotografia. Mas em termos de caracterização das personagens, banda-sonora e mesmo realização, este “Let Me In” é bem capaz de superar o magnífico filme de Alfredson. Como já foi referido, a alma da obra original está inteiramente presente. Nada – desde a consistência dramática das personagens ao desenrolar lento, mórbido e algo melancólico da película – foi adulterado com a passagem para a língua inglesa, mantendo-se presentes todos os aspectos que tanto despertaram o louvor da crítica mundial. A diabólica e arrepiante banda-sonora de Michael Giacchino (vencedor do Óscar desta categoria na mais recente cerimónia dos prémios da Academia, pelo filme “Up!”) mistura-se de forma perfeita com a realização sóbria e penetrante de Reeves, para nos inserir num universo tão dócil como aterrador. E também como penso que já deixei bem claro, o argumento de Lindqvist e do próprio Reeves mantém-se tão sólido como o original, deixando o espectador comover-se com as peripécias de duas das personagens mais humanas e genuínas da História do cinema.
Apesar de possuir momentos de arrepiante terror (a caracterização de Moretz enquanto vampira chega mesmo a fazer lembrar a de Linda Blair possuída pelo demónio Pazuzu, no mítico “The Exorcist”), “Let Me In” é um filme com um coração enorme. Para isto, muito contribuem as interpretações sinceras e nada fanfarronas de dois dos miúdos que mais prometem brilhar num futuro muito próximo. Atenção a eles, pois tanto Chloe Grace Moretz (a Hit-Girl do hilariante “Kick-Ass”) como Kodi Smit-McPhee (o assustado filho de Viggo Mortensen no subvalorizado “The Road”) reluzem como verdadeiras estrelas de cinema, demonstrando um à-vontade perante as câmaras deveras invulgar para miúdos da sua idade. A jovem Moretz até já se encontra a filmar com o mestre Scorsese em “Hugo Cabret”, um dos próximos filmes do realizador de ascendência italiana, pelo que o seu talento não estará a passar despercebido.


Como pontos negativos, apenas dois: por um lado, algumas cenas em que Abby usufrui dos seus poderes de vampira apresentam um CGI ligeiramente indiscreto e perfeitamente evitável; por outro lado, como remake que é, “Let Me In” perde sempre alguns pontos por óbvia falta de originalidade. Se bem que, nesta questão dos remakes, é bem melhor ser fiel à obra original e ser criticado por falta de originalidade, do que tentar inventar e destruir aquilo que de melhor o original tem para oferecer. E como Matt Reeves tentou, acima de tudo, ser fiel ao ilustre trabalho de Tomas Alfredson, este ponto mais negativo pouco ou nada conta na minha avaliação geral da película.
Senhoras e senhores, para quem já não consegue aturar os membros da família Cullen, aqui está um filme de vampiros digno de visionamento. Apesar de serem pré-adolescentes, Owen e Abby conseguem tocar o coração de qualquer adulto, de forma profunda e comovedora. E para quem não viu a obra original sueca, este “Let Me In” é um filme de visionamento inteiramente obrigatório.

Classificação – 4,5 Estrelas Em 5

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