Crítica - Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I (2010)

Realizado por David Yates
Com Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Ralph Fiennes, Helena Bonham Carter

Sensivelmente dez anos passaram desde que Harry Potter – o mais famoso aprendiz de feiticeiro da História do cinema e da literatura – aterrou nas salas de cinema mundiais com toda a pompa e circunstância. Foi no agora longínquo ano de 2001 que a Warner Bros. e o realizador Chris Columbus deram vida ao corajoso e persistente “rapaz que sobreviveu”, teletransportando-o das páginas da literatura para os mágicos e dinâmicos ecrãs de cinema. Os então desconhecidos Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint foram os actores escolhidos para encarnar o fabuloso trio de personagens que marcou uma geração. Genuínos, esforçados e empáticos, os jovens actores encaixaram-se como uma luva nas especificidades dos respectivos papéis e assim nasceu uma epopeia cinematográfica que depressa se afirmou como uma das mais rentáveis e bem-sucedidas sagas da Sétima Arte contemporânea. Condizentes com a idade precoce dos seus protagonistas, os primeiros filmes da saga eram mais joviais, alegres e encantadores. Algo que fez com que muitos rotulassem as aventuras de Harry Potter como simples e enfadonhas historietas para crianças. Porém, quem já tinha lido os livros mais recentes sabia que isso não correspondia à verdade. Pois assim como os protagonistas foram crescendo, também as suas aventuras se foram tornando mais maduras, negras e mesmo assustadoras. J. K. Rowling teve o dom de nunca deixar que estas aventuras caíssem num poço de banalidade sem fim à vista. Razão pela qual a saga sempre manteve um impressionante número de fãs de idade adulta, reservando-lhe um lugar muito especial na cultura pop mundial.

E eis que, após quase uma década de espantosas aventuras pelo maravilhoso mundo de Hogwarts, a saga se aproxima do estrondoso (e muitíssimo aguardado) final. Nós que sempre acompanhámos as peripécias do introvertido mago da cicatriz em forma de trovão, vimo-lo crescer e tornar-se homem. E agora, no apogeu das suas fantásticas (e tenebrosas) aventuras, temos também a oportunidade de testemunhar a forma como ele enfrenta os seus mais negros pesadelos. “Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I” marca o adeus definitivo aos tempos de criança do “rapaz que sobreviveu”. Ele cresceu e todo o mundo que o rodeia não é mais encantador e verdejante. É com todo o orgulho que afirmo que “Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I” é uma obra que possui muito mais significado para os fãs de idade bem adulta. Isto porque, apesar das personagens principais ainda não passarem de adolescentes, os temas que a película aborda são demasiado sérios e profundos para que qualquer criança deles retire algo de significativo. Dito de uma forma muito simples: o público mais jovem deliciar-se-á com os efeitos visuais e as sequências mais movimentadas; mas é o público mais maduro quem apreciará o tom dramático e introspectivo que paira sobre toda a película.

Esta primeira parte do 7º tomo da saga poderá desiludir alguns dos fãs que não tenham tido a oportunidade de ler o livro. Pela primeira vez em todo um filme de Harry Potter, não existe um único plano da escola de Hogwarts. Não há mais aulas de poções, jogos de Quidditch, intervalos divertidos com os colegas de Gryffindor ou diálogos com fantasminhas amigáveis. Desta vez, há apenas espaço para uma infernal corrida contra o tempo, onde muitos morrerão, confrontos surgirão, e lágrimas jorrarão ao sabor de amizades postas à prova máxima. Precisamente por se tratar de um filme totalmente diferente dos anteriores, muitos irão achá-lo estranho e quase sentir que não estão a ver um filme de Harry Potter. Mas o 7º tomo da saga é assim mesmo. E é por essa exacta razão que ele é tão especial.

Mas antes de mais nada, ocupemo-nos da narrativa. Lord Voldemort (frio e arrepiante Ralph Fiennes que, infelizmente, usufrui de pouco minutos em “palco”) está mais poderoso e ameaçador do que nunca. Os seus fiéis Death Eaters (uma espécie de impiedosa milícia das trevas) controlam o Ministério da Magia e aterrorizam todos os feiticeiros que não provenham de uma linhagem de puro-sangue. Um dos seus mais conhecidos aliados – Severus Snape (Alan Rickman) – usurpa também o posto de Director de Hogwarts, impingindo à escola um modo de operar em tudo semelhante a um duro e cruel regime fascista. Possuindo o controlo total do mundo mágico, Voldemort transforma Harry Potter e seus aliados em inimigos públicos número um, fazendo-lhes a vida negra e obrigando-os a viver num mundo onde não existem lugares seguros. E é neste mundo profundamente adverso que Harry (Daniel Radcliffe), Ron (Rupert Grint) e Hermione (brilhante e deveras promissora Emma Watson, claramente a mais talentosa dos três protagonistas), se lançam em busca dos Horcruxes – os objectos para os quais Voldemort transferiu partes da sua alma e que, como tal, fazem dele um ser imortal. É no decurso desta desesperada demanda que os três jovens-adultos ouvem falar nos Deathly Hallows (Talismãs da Morte, em português), dos quais a Elder Wand (a varinha mágica mais poderosa de todos os tempos) assume posição de destaque. E quando Harry compreende que Voldemort persegue essa mesma varinha como se a sua vida dependesse disso, ele chega à conclusão de que os Horcruxes têm de ser destruídos o mais depressa possível. Pois com a Elder Wand nas mãos, o Senhor das trevas tornar-se-ia ainda mais poderoso e, para mal dos seus pecados, virtualmente indestrutível.

“Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I” é um road-movie por excelência. O corajoso trio de protagonistas nunca pára quieto no mesmo local, havendo neste filme uma variedade de sets de rodagem muito superior à dos filmes precedentes. Como já foi dito, graças a isto (e a muito mais), alguns espectadores menos informados poder-se-ão sentir um pouco defraudados. Hogwarts desaparece por completo do mapa, ficando reduzida a esporádicas menções via rádio ou jornal. Mais do que em qualquer outro filme da saga, “Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I” é carregado aos ombros quase exclusivamente pelo trio de jovens protagonistas. A película abre com uma das cenas mais deliciosas e sentimentais de toda a saga; pouco depois disso, Harry, Ron e Hermione partem sozinhos para viajar por um mundo desencantado; e a partir daí, os três personagens quase não voltam a abandonar a luz das câmaras. David Yates dá-nos então a oportunidade de observar a interacção das três personagens num contexto isolado e adverso. E talvez esteja aqui o ponto mais interessante da película. Pois um pouco à imagem do que acontecia na trilogia de “The Lord of the Rings”, Harry, Ron e Hermione são levados aos píncaros da sua força interior e só a mais robusta das amizades os poderá salvar de tão árdua provação.

Não há dúvida de que “Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I” é um filme bem interessante. A câmara de David Yates é tão segura como sempre (embora algumas das sequências de acção deixem um pouco a desejar, sendo bastante confusas e decorrendo de forma demasiado previsível e mesmo displicente), a banda-sonora de Alexandre Desplat comove-nos (embora esteja muito longe de deslumbrar), e a narrativa desenrola-se de forma fluida e competente (embora alguns pormenores presentes no livro tenham sido desavergonhadamente descurados). Porém, é inevitável sairmos da sala com a sensação de que falta alguma coisa a esta obra. E de forma extremamente simples e óbvia, eu diria que o que lhe falta é nada mais, nada menos, que a 2ª parte da história. Esta divisão da história em duas partes tem os seus prós e contras. Se por um lado, tal divisão permitiu que a narrativa se desenrolasse com o passo acertado e que as personagens tivessem espaço para aprofundarem as suas emoções… por outro lado, o filme fica amputado da clássica estrutura de princípio, meio e fim, terminando de forma algo sensaborona e sendo incapaz de sobreviver por conta própria. Para se afirmar como um bom filme, esta primeira parte precisa desesperadamente da metade que está em falta. E para que a saga de Harry Potter termine da forma que todos desejamos, a segunda parte terá de se apresentar em muito boa forma.
Resumindo e concluindo, “Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I” acaba por cumprir aquilo que prometia… mas também acaba por desiludir um pouco. Fiquei com a nítida sensação de que esta primeira parte mais não foi do que a pista de lançamento para algo muito mais espectacular. Como a personagem de Gandalf disse no terceiro filme de “The Lord of the Rings”, o tabuleiro está montado, as peças estão em movimento e o fim está próximo. A sequência final do filme deixa-nos com água na boca para o que está para vir e, desde que a esta maturidade emocional se adicione um clímax de batalha bem mais épico e ousado, “Harry Potter and the Deathly Hallows: Part II” tem tudo para ser um dos maiores eventos cinematográficos do próximo ano. A ver vamos no dia 15 de Julho de 2011.

Classificação – 3,5 Estrelas Em 5