quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Crítica - The Town (2010)

Realizado por Ben Affleck
Com Ben Affleck, Rebecca Hall, Jeremy Renner, Jon Hamm, Blake Lively

Três anos depois de “Gone Baby Gone”, eis que o actor/realizador Ben Affleck regressa à cidade de Boston para mais uma história onde a criminalidade e o degredo de uma sociedade muito particular são temas de destaque. E se “Gone Baby Gone” era a grande surpresa, este enérgico e surpreendente “The Town” é a confirmação do talento de Affleck enquanto cineasta. Poder-se-á dizer que a opção pelo cargo de realizador terá servido como uma espécie de bote salva-vidas na sua carreira. Numa altura em que algumas performances menos conseguidas enquanto actor lhe estavam a arruinar a imagem de menino bonito de Hollywood, Affleck arriscou saltar para a realização e nós por cá apenas temos que aplaudi-lo por tão arrojada decisão. Isto porque, apesar de Affleck ainda ter de trabalhar muito para se afirmar como um dos valores mais seguros da realização norte-americana, o seu talento atrás das câmaras parece ser por demais evidente. Se continuar assim, e até pelos temas que parece privilegiar enquanto realizador, poderemos estar perante o nascimento do novo Martin Scorsese. Ou talvez até do próximo Clint Eastwood, já que – e esta é uma opinião muito pessoal – o modo de filmar de Affleck me faz muito lembrar a forma segura, pungentemente dramática e quase noir com que Eastwood aborda as suas histórias.


Mas vamos à narrativa. “The Town” acompanha o percurso de vida de Doug MacRay (Ben Affleck de volta aos seus melhores dias enquanto actor) e seu bando de destemidos e ambiciosos ladrões de bancos. A forma de actuar do bando liderado por Doug é eficaz e impecável. De tal forma que o FBI se vê às aranhas para sequer encontrar uma pista que possa incriminá-los. Num dos muitos assaltos a um banco da cidade de Charlestown, porém, algo corre de maneira inesperada. James Coughlin (fantástico Jeremy Renner) – um dos compinchas de Doug – decide sequestrar Claire Keesey (sempre segura Rebecca Hall) – uma das gerentes do banco – como forma de vantagem estratégica caso viessem a deparar-se com uma qualquer brigada da polícia. E isto acaba por revelar-se um erro fatal. Pois como mais tarde vêm a descobrir, Claire mora a dois palmos de distância do bairro onde eles se albergam e, como tal, poderá constituir um risco para o anonimato do bando. Pressionado por James, Doug encarrega-se então de espiar a pobre Claire, com o intuito de verificar se ela ficou com alguma ideia da identidade dos seus sequestradores. Até aqui tudo bem. Só que, involuntariamente, Doug acaba por desenvolver sentimentos íntimos para com Claire e isto acaba por tornar tudo muito mais complicado. Até porque Doug começa a ver-se pressionado de ambos os lados da barricada: do seu lado, James fica cada vez mais nervoso e quer limpar o sebo a Claire; e do outro lado, Adam Frawley (destemido Jon Hamm) – um dos líderes do FBI – aperta cada vez mais o cerco às actividades deste particular grupo de assaltantes.


Acima de tudo, “The Town” aborda um problema bem real do condado de Boston com frieza, competência e notável inteligência. As prestações dos actores (com maior destaque para Renner, que nos presenteia com uma interpretação verdadeiramente inquietante) são soberbas e a narrativa deixa-nos colados à tela do início ao fim da película. De certa forma, o filme pretende reflectir sobre a forma como muitos jovens de Boston são obrigados a adoptar um estilo de vida delinquente, para servirem autênticos barões da máfia irlandesa que os têm controlados até às entranhas. Por muito que tentem escapar a esta infinita vida de crime, muitos vêem-se entre a espada e a parede e chegam à conclusão de que não têm outra opção. “The Town” reflecte sobre esta problemática de forma extremamente sensível e, felizmente, fá-lo sem nunca cair num estilo melodramático que tantas vezes deita por terra produções do mesmo género. Aqui não há espaço para clichés ou lugares-comuns do género heist-movie (algo como filme de grandes assaltos, em português). E muito disto deve-se à realização de punho firme por parte de Ben Affleck.
De facto, se não soubéssemos que o realizador era Affleck, dificilmente acreditaríamos que estávamos perante um filme dirigido por alguém relativamente inexperiente. É extraordinária, a sobriedade e a segurança com que “The Town” se desenrola. Algo que pensávamos estar apenas ao alcance de realizadores tão experientes como Steven Spielberg, David Fincher, Martin Scorsese, Clint Eastwood, entre outros que me estarão aqui a escapar de momento. Não haja qualquer dúvida: esta segunda obra de Ben Affleck é filmada com uma certa aura de classicismo que nos encanta e que nunca nos enfada. As sequências de acção desenrolam-se com um vigor muito ao estilo do que Christopher Nolan nos ofereceu em “The Dark Knight” (lembremo-nos apenas da fabulosa perseguição pelas ruas de Charlestown, sensivelmente a meio do filme). E apesar desta forte componente de acção, Affleck nunca deixa que os tiros de metralhadora se sobreponham à componente dramática das personagens. De tal forma que, quando saímos da sala, as nossas memórias não vão para a espectacularidade das sequências de assalto, mas antes para a alma dramática da película e para a assombrosa prestação de todo o elenco de actores (com destaque também para Blake Lively – mais conhecida pela sua participação na série “Gossip Girl” –, que aqui assume um papel fundamental no desenrolar da história).


Por tudo o que já foi dito e por muito mais, “The Town” é, sem qualquer sombra de dúvida, um dos melhores filmes estreados entre nós nos últimos meses. Uma obra que pode mesmo vir a ter aspirações bem elevadas na próxima cerimónia dos Óscares, já que, na minha opinião, Jeremy Renner poderá repetir uma nomeação como Melhor Actor Secundário e quem sabe se Ben Affleck, pelo poder que volta a deter no seio de Hollywood, não poderá intrometer-se na categoria de Melhor Realizador ou Melhor Argumento Adaptado. Sim, Argumento Adaptado. Porque, para além de realizador e actor, uma parte do argumento de “The Town” é também da autoria de Affleck (que, não nos esqueçamos, já recebeu um Óscar em conjunto com Matt Damon pelo argumento de ambos no filme “Good Will Hunting”, de Gus Van Sant).
Para concluir, de negativo só tenho a apontar dois aspectos. Por um lado, sente-se que falta qualquer coisa para que “The Town” possa ser considerado um daqueles filmes que se tornam clássicos. Não sei ao certo o que lhe falta, mas nota-se que, apesar de tudo, a película é órfã de uma certa estrelinha de campeão que poderia transformá-la numa obra eterna e inesquecível. E por outro lado, dada a quantidade de heist-movies presentes em toda a História do cinema, é impossível visionarmos este filme sem pensarmos que já vimos aqueles acontecimentos em qualquer lado… E a esse sentimento, nem o mais glorioso dos filmes pode escapar sem uma nota de ressalva.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

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