segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Crítica - The Last Exorcism (2010)

Realizado por Daniel Stamm
Com Patrick Fabian, Ashley Bell, Iris Bahr, Louis Herthum

Ora aqui está um daqueles filmes que nos deixa com um travo verdadeiramente amargo na boca. A primeira coisa que se pode dizer de “The Last Exorcism” é que este apresenta uma sequência final que borra a pintura toda. Materializem o famoso quadro da Mona Lisa na vossa cabeça. Já o fizeram? Óptimo. Agora imaginem que, para dar um toque final à sua grande obra-prima, o genial Leonardo Da Vinci decide pintar os lábios da mulher retratada na pintura com um espampanante tom de rosa fluorescente. Este subtil toque final daria cabo de tudo, não é verdade? Pois bem… de certa forma, é exactamente isso que acontece com este “The Last Exorcism”. E é uma pena que assim seja.
Trazido até nós pelas mãos do realizador/actor/produtor Eli Roth (realizador de filmes tão sangrentos como “Hostel”, mas apenas produtor na obra aqui em questão), “The Last Exorcism” afirma-se como uma obra de terror sóbria, sofisticada, inteligente e narrativamente sólida. O problema é que a película tem 87 minutos de duração e isto que acabei de escrever só é válido para os primeiros 80 minutos da mesma. Pois os últimos 7 minutos, por incrível que pareça, arruínam por completo aquilo que bem poderia ter sido o melhor filme de exorcismos desde o velhinho “The Exorcist”. Parece difícil de acreditar que apenas 7 minutos possam deitar por terra toda uma obra que, até então, estava a ser surpreendentemente satisfatória para quem adora um filme de terror com uma certa aura de classicismo incorporada. Porém, infelizmente, o final de “The Last Exorcism” é de tal forma escabroso, que acaba por estragar tudo e mais alguma coisa.


Com uma filmagem ao estilo de um documentário não-editado (tal como os brilhantes “The Blair Witch Project”, “[REC]” ou “Cloverfield”), “The Last Exorcism” coloca-nos numa arrepiante viagem pelo mundo de Cotton Marcus (Patrick Fabian). Cotton é um resoluto e extrovertido pastor evangélico que, desde tenra idade, se dedica a pregar sermões nas missas de Domingo e a escorraçar demónios dos corpos de todos aqueles que procuram a sua ajuda. Contrariando a ideia de que o exorcismo é uma arte do passado, Cotton não tem qualquer problema em realizar os mais diversos exorcismos, nos mais variados locais. O problema é que Cotton não acredita em Deus. E, consequentemente, também não acredita no Diabo. Com o passar dos anos, o pastor torna-se descrente e passa a encarar os exorcismos como uma forma pouco ortodoxa de pagar as despesas da casa e da família. De certa forma, ele convence-se de que está a prestar um serviço público a todos aqueles que necessitam da sua ajuda e não vê nenhum inconveniente na sua profissão. Mas é então que surge a notícia de uma criança morta pela primitiva prática do exorcismo. E a partir daí, Cotton decide que é tempo de se retirar desta prática e também de repudiar qualquer forma de exorcismo. Razão pela qual decide contratar uma equipa de televisão, para que esta o acompanhe na execução de um último exorcismo em terras do sul da América. Nobre e corajoso, o objectivo era expor o exorcismo pela prática fraudulenta que é. Porém, ao iniciar o seu ritual com a frágil e inocente Nell Sweetzer (excelente Ashley Bell), Cotton começa a desconfiar de que, afinal de contas, os demónios são bem reais… e aquilo que não passaria de uma sessão de engodo de 20 minutos, depressa se transforma num autêntico choque de fés e forças sobrenaturais.


É justo dizer que esta obra do realizador alemão Daniel Stamm é filmada com uma sobriedade digna dos mais aclamados filmes de terror. Até à já referida sequência final, a narrativa de “The Last Exorcism” desenvolve-se de forma séria, competente e até mesmo surpreendente. Já deu também para perceber que este estilo de filmagem a fazer lembrar um documentário televisivo se encaixa como uma luva no género cinematográfico do terror. Esta abordagem contribui para que o espectador sinta que está a ver algo real, transportando a audiência para a própria acção da película de uma forma verdadeiramente assustadora. Como simulacro da realidade que é, “The Last Exorcism” não é dotado de uma espalhafatosa banda-sonora nem de um trabalho de edição muito aprimorado. Aqui, e em abono de uma experiência de terror mais gratificante, aquilo que salta imediatamente à vista (e aos ouvidos) é a forma serena e calculada como os jogos de som e de luz constroem uma atmosfera tensamente sombria. Nota-se que Stamm tinha a lição bem estudada. Em vez de apostar em sequências brutalmente gráficas e sangrentas, Stamm aposta na simplicidade das sombras e no poder dos estrondos para criar uma atmosfera deveras intensa e arrepiante. E em virtude disso, contando também com a relevância das questões morais levantadas pela narrativa, “The Last Exorcism” apresenta-se-nos como um dos filmes mais interessantes dos últimos tempos.
Mas está na altura de regressarmos ao fatídico tema da horrível sequência que encerra o filme. A sensação que dá é que, algures na construção da história, os argumentistas perderam a criatividade e ficaram sem ideias de como terminar a película em condições. Se não foi isso que aconteceu, então só encontro uma explicação: não resistindo à moda dos twists finais para tentar surpreender o espectador, acabaram por destruir uma história que estava a decorrer da melhor forma, encerrando a película da pior maneira possível. De facto, em vez de servirem o espectador com aquilo que ele está à espera (e que deseja ver), os argumentistas terão querido armar-se em espertos, acabando por borrar a pintura toda. E a isto, nem o mais talentoso realizador pode sobreviver. Sem querer entrar no campo dos spoilers, digamos apenas que a sequência final transforma uma narrativa perfeitamente verosímil numa nojenta sopa de clichés aparvalhados que desferem um golpe fatalíssimo na autenticidade da mesma.


Enfim… não fossem os tais 7 minutos finais, “The Last Exorcism” poderia bem vir a ser um daqueles filmes de culto que muitos jamais iriam esquecer. Sem cair em grandes delírios e fanfarronices, o filme acompanha-se com agrado e, até por manter o espectador em constante estado de dúvida, consegue manter-se interessante até bem perto do fim. Mas como se houvesse sido arquitectado com o único objectivo de manter a funesta tradição de flops de terror norte-americanos, aquele desastroso final acaba por dar cabo de tudo. Numa derradeira frase e para quem gosta de analogias, poder-se-á mesmo dizer que este final está para “The Last Exorcism” como o famoso meteorito de há 65 milhões de anos está para os extintos dinossauros. Ou seja, um final que vai enviar a obra de Stamm para os poeirentos arquivos de um qualquer museu cinematográfico, como algo que existiu há muito tempo atrás mas que depressa caiu no esquecimento de todos.

Classificação – 3,5 Estrelas Em 5

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