quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Crítica – Carandiru (2003)

De Hector Babenco
Com Ailton Graça, Rodrigo Santoro, Milton Gonçalves

Não se consegue evitar reagir emocionalmente a este filme, não só pelo drama real, o massacre dos prisioneiros da prisão de Carandiru, em 1992, mas pela mestria narrativa e a fabulosa construção e desenvolvimento das personagens. Este filme baseia-se na obra escrita pelo médico Drauziu Varella, que levou a cabo um programa de prevenção da SIDA, dentro do problemático estabelecimento prisional de S. Paulo. A prisão alojava naquele altura mais do dobro do número de prisioneiros para que fora concebida, cerca de 7 000 presos. Em 1992, durante um motim e com o pretexto de o controlar o exército, sem complacências ou negociações, matou à queima-roupa 111 prisioneiros.


A questão de fundo do filme é o facto de as prisões serem um universo como outros, com pessoas, regras, jogos de poder, hierarquias, trocas de favores, e nesse universo cada indivíduo é ele próprio um outro universo com um passado, uma história, relações, amigos, filhos, motivos, qualidades e defeitos. O filme é impressionante no modo como, lembrando sempre que quem viu o que conta foi o médico (Luís Carlos Vasconcelos) e ele só ouviu os presos, somos apresentados a uma quantidade enorme de pessoas, prisioneiros na sua maioria, com quem não podemos deixar de simpatizar. É o caso de Majestade (Ailton Graça), o senhor de duas mulheres, que se deixa prender para proteger uma delas e que se torna num dos grandes senhores da cadeia capaz de matar com requintes de malvadez. É também o caso de Lady Di (Rodrigo Santoro num grande desempenho), um transexual que depois de ter tido relações com mais de 2000 presos consegue por milagre não estar contaminado, roubar o coração a Sem Chance (Gero Camilo) e casar-se na prisão. É o caso de muitas outras personagens que o narrador apresenta, leva, traz de novo, entrega-nos e obriga-nos a fazer qualquer coisa com elas porque são demasiadamente humanas para serem simplesmente boas ou más.
As analogias com Cidade de Deus de Fernando Meirelles são inevitáveis, ambos os filmes abordam a problemática do excluídos sociais e a incapacidade que o sistema brasileiro tem revelado de os recuperar socialmente, a técnica narrativa de Bebenco também tem reminiscências de Meirelles, mas nenhum dos filmes supera o outro, pelo contrário, como que se complementam, levando-nos a ver o percurso dos marginais depois de saírem das ruas e como a justiça dificilmente é feita.

Classificação - 5 Estrelas Em 5

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