Realizado por Marco Martins
Com Rafael Morais, Joana de Verona, Daniel Duval, Beatriz Batarda
Quatro longos anos passaram desde que as salas de cinema nacionais tiveram a honra de exibir o melhor filme português de que há memória. A irrefutável prova de que o tempo voa chega-nos com o facto do fabuloso “Alice” – memorável primeira obra do visionário realizador Marco Martins – ter estreado há já quatro anos atrás. Com o angustiantemente belo e melancólico “Alice”, Marco Martins dava-se a conhecer ao mundo da Sétima Arte. Para além de ter arquitectado um filme digno apenas dos mais rasgados elogios, este jovem e brilhante realizador conseguia atingir algo inédito no limitado mundo do cinema português: juntar crítica e público num acalorado e inteiramente merecido aplauso. Unanimemente aclamados pela crítica (nacional e internacional), Marco Martins e o seu “Alice” despertavam, pela primeira vez, um interesse generalizado do público por uma obra portuguesa. Como muitos, também eu fiquei rendido ao encanto sorumbático desse filme e cheguei mesmo a esperar vê-lo nomeado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Infelizmente, tal não veio a acontecer, mas o nome de Marco Martins passou a ficar gravado na memória de muitos cineastas.
Neste ano de 2010, eis que a segunda longa-metragem do realizador chega às salas de cinema portuguesas com um enfoque, naturalmente, mais elevado. Tal como seria de esperar, “Como Desenhar um Círculo Perfeito” aterra no panorama de estreias nacional com as expectativas cinéfilas ao rubro. Todos queriam ver se o talento de Marco Martins era real e se “Alice” não havia passado de um invulgar golpe de génio irrepetível. Para bem do cinema português, posso afirmar que “Como Desenhar um Círculo Perfeito” é o melhor filme lusitano desde “Alice” e que, qual autêntico D. Sebastião, Marco Martins parece estar aqui para durar e para retirar o nosso cinema das trevas em que se encontra.
Como o próprio realizador admite, histórias com temas e personagens de contornos obsessivos são as que mais lhe dão gosto filmar. “Alice” acompanhava o triste dia-a-dia de um pai que vivia com a obsessão de encontrar o paradeiro da sua filha desaparecida. “Como Desenhar um Círculo Perfeito” confronta o espectador com uma obsessão bem mais perturbadora e socialmente reprovável: a incontrolável paixão incestuosa que um rapaz desenvolve pela sua própria irmã.
Com Rafael Morais, Joana de Verona, Daniel Duval, Beatriz Batarda
Quatro longos anos passaram desde que as salas de cinema nacionais tiveram a honra de exibir o melhor filme português de que há memória. A irrefutável prova de que o tempo voa chega-nos com o facto do fabuloso “Alice” – memorável primeira obra do visionário realizador Marco Martins – ter estreado há já quatro anos atrás. Com o angustiantemente belo e melancólico “Alice”, Marco Martins dava-se a conhecer ao mundo da Sétima Arte. Para além de ter arquitectado um filme digno apenas dos mais rasgados elogios, este jovem e brilhante realizador conseguia atingir algo inédito no limitado mundo do cinema português: juntar crítica e público num acalorado e inteiramente merecido aplauso. Unanimemente aclamados pela crítica (nacional e internacional), Marco Martins e o seu “Alice” despertavam, pela primeira vez, um interesse generalizado do público por uma obra portuguesa. Como muitos, também eu fiquei rendido ao encanto sorumbático desse filme e cheguei mesmo a esperar vê-lo nomeado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Infelizmente, tal não veio a acontecer, mas o nome de Marco Martins passou a ficar gravado na memória de muitos cineastas.
Neste ano de 2010, eis que a segunda longa-metragem do realizador chega às salas de cinema portuguesas com um enfoque, naturalmente, mais elevado. Tal como seria de esperar, “Como Desenhar um Círculo Perfeito” aterra no panorama de estreias nacional com as expectativas cinéfilas ao rubro. Todos queriam ver se o talento de Marco Martins era real e se “Alice” não havia passado de um invulgar golpe de génio irrepetível. Para bem do cinema português, posso afirmar que “Como Desenhar um Círculo Perfeito” é o melhor filme lusitano desde “Alice” e que, qual autêntico D. Sebastião, Marco Martins parece estar aqui para durar e para retirar o nosso cinema das trevas em que se encontra.
Como o próprio realizador admite, histórias com temas e personagens de contornos obsessivos são as que mais lhe dão gosto filmar. “Alice” acompanhava o triste dia-a-dia de um pai que vivia com a obsessão de encontrar o paradeiro da sua filha desaparecida. “Como Desenhar um Círculo Perfeito” confronta o espectador com uma obsessão bem mais perturbadora e socialmente reprovável: a incontrolável paixão incestuosa que um rapaz desenvolve pela sua própria irmã.
Guilherme (Morais) e Sofia (de Verona) são irmãos gémeos que vivem no seio de uma família destruída e desequilibrada. O pai de ambos (Duval) é um escritor francês que passa os seus dias fechado num apartamento decrépito, rodeado por centenas de páginas do seu mais recente (e obsessivo) trabalho. A mãe (Batarda) vive às custas de negócios obscuros e passa a maior parte do tempo ausente do devastado núcleo familiar. Como consequência deste ambiente desconchavado e perfeitamente desestruturado, Guilherme e Sofia sentem-se emocionalmente perdidos e desenvolvem personalidades dotadas de um grande factor de risco: Sofia torna-se mais rebelde do que seria desejável e vive uma existência boémia; e Guilherme (rapaz imensamente tímido, retraído e franzino) encontra na irmã um suporte emocional inadequado. Triste e sorumbático, Guilherme vive apenas com um objectivo em mente: desflorar a virgindade da própria irmã. Objectivo este que, como facilmente se compreende, lhe causa um enorme sofrimento interno e o obriga a viver uma existência à margem daquilo que é considerado normal.
Tal como “Alice”, “Como Desenhar um Círculo Perfeito” é um filme imensamente dramático e que aborda questões socialmente relevantes. Marco Martins é um fenomenal director de actores. Após um período de casting anormalmente longo e árduo, o realizador apostou em dois jovens actores praticamente desconhecidos e, servindo-se da sua genialidade e competência, presenteia o espectador com personagens perfeitamente credíveis e com as quais a audiência facilmente se identifica. O overacting – fenómeno, infelizmente, tão instalado na cinematografia portuguesa – nunca se faz notar e “Como Desenhar um Círculo Perfeito” oferece-nos interpretações de encher o olho. Duval e Batarda estão iguais a si próprios: brilhantes. Mas Rafael Morais e Joana de Verona (os tais jovens praticamente desconhecidos) é que brilham com maior intensidade. Os seus papéis são de uma exigência descomunal; porém, com a ajuda da sublime e melancólica câmara de Marco Martins, os jovens actores oferecem-nos a interpretação de uma vida e de uma carreira artística. Poderão estar aqui os grandes actores do futuro cinema português.
Tal como “Alice”, “Como Desenhar um Círculo Perfeito” é um filme imensamente dramático e que aborda questões socialmente relevantes. Marco Martins é um fenomenal director de actores. Após um período de casting anormalmente longo e árduo, o realizador apostou em dois jovens actores praticamente desconhecidos e, servindo-se da sua genialidade e competência, presenteia o espectador com personagens perfeitamente credíveis e com as quais a audiência facilmente se identifica. O overacting – fenómeno, infelizmente, tão instalado na cinematografia portuguesa – nunca se faz notar e “Como Desenhar um Círculo Perfeito” oferece-nos interpretações de encher o olho. Duval e Batarda estão iguais a si próprios: brilhantes. Mas Rafael Morais e Joana de Verona (os tais jovens praticamente desconhecidos) é que brilham com maior intensidade. Os seus papéis são de uma exigência descomunal; porém, com a ajuda da sublime e melancólica câmara de Marco Martins, os jovens actores oferecem-nos a interpretação de uma vida e de uma carreira artística. Poderão estar aqui os grandes actores do futuro cinema português.
A forma como o realizador usa os cenários para espelhar as emoções dos personagens é simplesmente fantástica. Sem exageros e acima de tudo, sem asneiras e diálogos marcados por uma verborreia desnecessária, “Como Desenhar um Círculo Perfeito” prende-nos a atenção por inteiro, faz-nos acreditar na dor das personagens e obriga-nos a reflectir até ao fim. Bem filmado, excelentemente pautado por uma atmosfera propositadamente escura, fria e melancólica, “Como Desenhar um Círculo Perfeito” afirma-se como uma obra de visionamento obrigatório. E para acompanhar a festa, Bernardo Sassetti volta a presentear os nossos ouvidos com uma banda-sonora repleta de uma melancolia arrebatadora.
Ainda assim, apesar de tudo isto, esta segunda longa-metragem de Marco Martins fica um pouco longe da qualidade do imortal “Alice”. A história em si, apesar de relevante e interessante, não é tão poderosa e, por vezes, o ritmo do filme torna-se demasiado lento e molengão, correndo o risco de adormecer alguns espectadores com menos paciência para um cinema tão humanista. Para além disso, a forma “irrequieta” como o realizador aborda algumas cenas consegue desgastar o espectador. Apesar de propositadamente (com o intuito de demonstrar o estado de espírito caótico dos personagens), a forma como o realizador insiste em utilizar planos de câmara trémulos e desfocados acaba por desequilibrar a consistência da película. Pequenos pormenores que, apesar de retirarem alguns pontos à segunda longa-metragem de Marco Martins, não chegam para desmentir o facto de que este jovem realizador português é um caso sério de genialidade e competência. Resta-nos agora esperar pela sua terceira longa-metragem, que já se encontra em estado de pré-produção.
Ainda assim, apesar de tudo isto, esta segunda longa-metragem de Marco Martins fica um pouco longe da qualidade do imortal “Alice”. A história em si, apesar de relevante e interessante, não é tão poderosa e, por vezes, o ritmo do filme torna-se demasiado lento e molengão, correndo o risco de adormecer alguns espectadores com menos paciência para um cinema tão humanista. Para além disso, a forma “irrequieta” como o realizador aborda algumas cenas consegue desgastar o espectador. Apesar de propositadamente (com o intuito de demonstrar o estado de espírito caótico dos personagens), a forma como o realizador insiste em utilizar planos de câmara trémulos e desfocados acaba por desequilibrar a consistência da película. Pequenos pormenores que, apesar de retirarem alguns pontos à segunda longa-metragem de Marco Martins, não chegam para desmentir o facto de que este jovem realizador português é um caso sério de genialidade e competência. Resta-nos agora esperar pela sua terceira longa-metragem, que já se encontra em estado de pré-produção.
Classificação – 3,5 Estrelas Em 5
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