É difícil escrever sobre Death proof tal é a complexidade das referências cruzadas ao cinema e às séries de televisão americanas dos anos 70 à mistura com elementos absolutamente contemporâneos num processo constante de citação e reformular da citação. Evocando os velhos filmes de perseguições, Tarantino apresenta-nos a história repleta de adrenalina de um velho duplo, Stuntman Mike (Kurt Russel), que, não fazendo jus à virilidade que quer aparentar, se excita sexualmente perseguindo e assassinando belíssimas e incautas jovens com o seu Chevy Nova à prova de morte. Se numa primeira parte da obra os seus intentos são atingidos e mesmo depois de descoberto nada fica provado, na segunda parte, ao intentar o crime noutro estado americano, a sorte não o favorece e numa nunca vista cena de poder feminino, onde Zöe Bell se transcende, o seu caminho toma outro rumo.
Os clichés são usados para serem invertidos e pervertidos, o feminino é belo e tentador mas, por vezes, muito menos frágil e vulnerável do que estamos habituados a julgar, outras vezes não, o seu poder encantatório é a sua morte. A sensualidade e a droga dão um pano de fundo à primeira parte da acção, a sensualidade e o cinema o pano de fundo da segunda. Aliás é o cinema que é evocado permanentemente em referências directas ao anterior Kill Bill mas também em desconstruções do pacto de ilusão do filme tornando real o que normalmente é um efeito de ilusão, refiro-me, por exemplo, à performance de Zöe Bell, representando-se a si mesma não como dupla de outra actriz, como faz profissionalmente, mas como actriz que é dupla noutro filme que existe dentro deste. Os anos 70 que marcaram a cultural visual do realizador nascido em 61 são visíveis em cada imagem através de pormenores, posters, adereços, máquinas, mas também pela película gasta, cores esbatidas, montagens propositadamente mal feitas.
Este filme funciona bem em dois níveis, o primeiro, linear, como uma história de vingança repleta de adrenalina, belas mulheres, sensualidade, diálogos intensos e algum mistério e muita borracha queimada, num segundo nível, mais profundo, gera-se uma metalinguagem do cinema que reflecte sobre si mesmo que joga não já somente com referentes do real mas sim com elementos internos do percurso do realizador e da cultura do espectador num jogo que é comum ao pós-modernismo e que se se mostra interessante para os apreciadores da sétima arte pode também, por ser demasiado usado por Tarantino, tornar demasiado sobrecarregado o filme. Death Proof está disponível em DVD numa edição Dimension Films.
Classificação - 4 Estrelas Em 5
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