Realizado por Teresa Villaverde
Com Ana Moreira, Viktor Rakov, Robinson Stévenin, Iaia Forte, Andrey Chadov
Teresa Villaverde ocupa juntamente com Pedro Costa um lugar de grande destaque no cinema português. Arrisco-me até a dizer que estes dois cineastas nacionais são, depois de Manoel de Oliveira e de João César Monteiro, os cineastas mais talentosos e competentes do nosso país. “Transe” confirma todo esse estatuto que Teresa Villaverde já alcançou no cinema nacional. Nesta obra, a cineasta volta a trabalhar com a actriz Ana Moreira, depois de a ter dirigido em “Os Mutantes” de 1998 e “Água e Sal” de 2001. Ana Moreira tem com este “Transe”, na minha opinião, a melhor interpretação da sua carreira, embora a Andreia de “Os Mutantes” continue a ser a minha personagem preferida. Mas, de facto, Ana Moreira consegue com a personagem de Sonia a interpretação mais brilhante da sua carreira. Ela fala russo durante quase o filme inteiro como se de uma russa se tratasse, ela encarna Sonia de tal maneira que a sua postura, a sua atitude e o seu olhar iluminam um filme negro e cruel de forma portentosa. Se olharmos para Ana Moreira e as interpretações deste “Transe” e “Os Mutantes”, é nos visíveis as semelhanças entre os dois papéis, onde existe dor, sofrimento, desespero, uma inadaptação ao meio envolvente, etc.
Mas, as semelhanças entre os dois filmes começam e acabam nas personagens de Ana Moreira e no factor sociedade em que Villaverde volta a reflectir. Enquanto em “Os Mutantes”, Teresa Villaverde explora uma revolta e uma inadaptação à sociedade, neste “Transe” a cineasta reflecte num tema mais cruel e obscuro da sociedade, o tráfico de mulheres e sua exploração para a prostituição. Enquanto o filme de 1998 se mostra cru, cruel e agressivo, “Transe” é um retracto ainda mais cruel, transcendente, elíptico, onírico/real e com uma conotação defensora do sexo feminino, da sociedade actual europeia. É impossível não assemelhar os primeiros cinco minutos do filme, nomeadamente a cena do gelo a partir-se, não só pela estética visual mas também pela linguagem russa, ao cinema de Tarkovsky, em particular ao seu “Stalker”.
“Transe” é a história de uma rapariga russa, Sonia, de vinte e poucos anos, que parece estar cansada de uma miséria, solidão e angústia material que a faz abandonar o filho, que está impedida de ver, o amigo e a irmã que é a única que lhe dá abrigo e apoio emocional. Numa procura de um futuro radioso, Sonia decide emigrar. Alemanha é o destino, onde ela encontra trabalho numa oficina, mas subitamente é raptada e levada para Itália e posteriormente para Portugal. A partir do momento em que a levam para Itália, Sonia vai iniciar uma viagem, quer física quer psicológica e emocional, onde a dor, o sofrimento, a humilhação e a crueldade duma realidade obscura como é o tráfico e a prostituição das mulheres abunda. Mas Sonia resiste, Sonia fecha-se no seu interior e aqui o título do filme não poderia ser mais adequado, pois essa atitude de Sonia é a personificação do transe, é esse estado psicológico que lhe dá forças para viver, é a sua maneira de lutar, é esse transe que a faz ter alucinações, que a faz anestesiar e alienar-se do “mundo” deplorável e miserável em que se encontra, do inferno a que foi forçada. É este transe em que Sonia se refugia que dá ao filme esse cariz onírico e elíptico. É este transe a força expressiva e narrativa do filme, duma transcendência que só Sonia compreende e adquire, dum estado psicológico que tenta apagar a dor de um estado físico, duma decadência e crueldade sem limites, e evitar assim a loucura, se não admitirmos que esse transe seja já um estado de insanidade mental.
“Transe” é um drama duro, frio, cruel e calculista que Teresa Villaverde filma magistralmente. É uma viagem pelos horrores de uma realidade obscura que não entra no nosso quotidiano, mas que infelizmente existe na nossa sociedade. Mais que um simples filme é arte, arte de fazer cinema, arte de reflectir na crueldade humana, na sociedade e na vida. Obra-prima que com “Os Mutantes” faz dupla no cinema de Villaverde.
Com Ana Moreira, Viktor Rakov, Robinson Stévenin, Iaia Forte, Andrey Chadov
Teresa Villaverde ocupa juntamente com Pedro Costa um lugar de grande destaque no cinema português. Arrisco-me até a dizer que estes dois cineastas nacionais são, depois de Manoel de Oliveira e de João César Monteiro, os cineastas mais talentosos e competentes do nosso país. “Transe” confirma todo esse estatuto que Teresa Villaverde já alcançou no cinema nacional. Nesta obra, a cineasta volta a trabalhar com a actriz Ana Moreira, depois de a ter dirigido em “Os Mutantes” de 1998 e “Água e Sal” de 2001. Ana Moreira tem com este “Transe”, na minha opinião, a melhor interpretação da sua carreira, embora a Andreia de “Os Mutantes” continue a ser a minha personagem preferida. Mas, de facto, Ana Moreira consegue com a personagem de Sonia a interpretação mais brilhante da sua carreira. Ela fala russo durante quase o filme inteiro como se de uma russa se tratasse, ela encarna Sonia de tal maneira que a sua postura, a sua atitude e o seu olhar iluminam um filme negro e cruel de forma portentosa. Se olharmos para Ana Moreira e as interpretações deste “Transe” e “Os Mutantes”, é nos visíveis as semelhanças entre os dois papéis, onde existe dor, sofrimento, desespero, uma inadaptação ao meio envolvente, etc.
Mas, as semelhanças entre os dois filmes começam e acabam nas personagens de Ana Moreira e no factor sociedade em que Villaverde volta a reflectir. Enquanto em “Os Mutantes”, Teresa Villaverde explora uma revolta e uma inadaptação à sociedade, neste “Transe” a cineasta reflecte num tema mais cruel e obscuro da sociedade, o tráfico de mulheres e sua exploração para a prostituição. Enquanto o filme de 1998 se mostra cru, cruel e agressivo, “Transe” é um retracto ainda mais cruel, transcendente, elíptico, onírico/real e com uma conotação defensora do sexo feminino, da sociedade actual europeia. É impossível não assemelhar os primeiros cinco minutos do filme, nomeadamente a cena do gelo a partir-se, não só pela estética visual mas também pela linguagem russa, ao cinema de Tarkovsky, em particular ao seu “Stalker”.
“Transe” é a história de uma rapariga russa, Sonia, de vinte e poucos anos, que parece estar cansada de uma miséria, solidão e angústia material que a faz abandonar o filho, que está impedida de ver, o amigo e a irmã que é a única que lhe dá abrigo e apoio emocional. Numa procura de um futuro radioso, Sonia decide emigrar. Alemanha é o destino, onde ela encontra trabalho numa oficina, mas subitamente é raptada e levada para Itália e posteriormente para Portugal. A partir do momento em que a levam para Itália, Sonia vai iniciar uma viagem, quer física quer psicológica e emocional, onde a dor, o sofrimento, a humilhação e a crueldade duma realidade obscura como é o tráfico e a prostituição das mulheres abunda. Mas Sonia resiste, Sonia fecha-se no seu interior e aqui o título do filme não poderia ser mais adequado, pois essa atitude de Sonia é a personificação do transe, é esse estado psicológico que lhe dá forças para viver, é a sua maneira de lutar, é esse transe que a faz ter alucinações, que a faz anestesiar e alienar-se do “mundo” deplorável e miserável em que se encontra, do inferno a que foi forçada. É este transe em que Sonia se refugia que dá ao filme esse cariz onírico e elíptico. É este transe a força expressiva e narrativa do filme, duma transcendência que só Sonia compreende e adquire, dum estado psicológico que tenta apagar a dor de um estado físico, duma decadência e crueldade sem limites, e evitar assim a loucura, se não admitirmos que esse transe seja já um estado de insanidade mental.
“Transe” é um drama duro, frio, cruel e calculista que Teresa Villaverde filma magistralmente. É uma viagem pelos horrores de uma realidade obscura que não entra no nosso quotidiano, mas que infelizmente existe na nossa sociedade. Mais que um simples filme é arte, arte de fazer cinema, arte de reflectir na crueldade humana, na sociedade e na vida. Obra-prima que com “Os Mutantes” faz dupla no cinema de Villaverde.
Classificação - 5 Estrelas Em 5
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