Realizado por Sergio Leone
Com Robert de Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Treat Williams, Joe Pesci, Danny Aiello
Obra-prima de Sergio Leone, curiosamente fora do estilo que o imortalizou como um dos grandes génios do cinema, o western spaghetti. Aquando da sua estreia, o filme foi “mutilado” (palavras de Sergio Leone), tendo sido exibido numa versão de 139 minutos, cerca de hora e meia a menos do que a versão completa e que foi lançada em vídeo.
Mais do que um filme, “Once Upon A Time In America” é uma ode à amizade, um hino ao amor, um olhar penetrante à traição e à inveja, uma reflexão sobre confiança e ambição e um retracto da ascensão e a queda do mundo da máfia judaica. Já muito se disse sobre este filme, mas nunca é demais contemplar esta obra-prima de Leone. Posso ser muito criticado pelo que se segue, mas a verdade é que para mim esta relíquia do cinema americano é superior a “The Godfather” (O Padrinho) de Francis Ford Coppola. Talvez devido à altura em que o vi pela primeira vez e por me ter marcado muito, mas também porque é um filme mais sublime, mais melancólico, mais completo e nostálgico. Enquanto o filme de Coppola na sua grandiosidade e plenitude se cinge à família, este não. “Once Upon A Time In America” apresenta-nos valores morais, amizade, amor, crime, traição, confiança e a infância. É daquelas obras cinematográficas que se vê e revê vezes sem conta sem desiludir ou maçar. Sergio Leone era um mestre com a câmara nas mãos e o filme está repleto de planos longos espantosos, sem falar nos close ups fenomenais a que Leone nos habituou. Ennio Morricone em sintonia absoluta com Sergio Leone mais uma vez. A fantástica banda sonora de Morricone faz as lágrimas virem aos olhos nas mais variadas cenas do filme e, a meu ver, consegue aqui uma das suas melhores composições a par da de “Cinema Paradiso” de Giuseppe Tornatore.
O filme traz-nos a história de dois amigos desde o virar do século XIX para o século XX, passando pelos anos 30 durante a famosa Lei Seca até os anos 50. É a história de Noodles (Robert de Niro) e Max (James Woods) que Leone nos traz com este “Once Upon A Time In America”. É uma história de amizade, da perda desta, de traição, ambição e amor. A violência que o filme acarreta é lhe imposta devido às épocas em que a história se insere e claro, a um dos temas do filme, a máfia judaica, aquela que antecedeu a famosa máfia italiana. O que Leone nos mostra é que na viragem do século e durante a Lei Seca, os mafiosos eram pequenos gangs organizados que actuavam sozinhos, aqui no filme são apenas quatro amigos, e quando o mundo da máfia começa a mudar (depois do aparecimento da máfia italiana e irlandesa), Noodles permanece fiel ao seu estilo, facto que vai contra a ambição de Max, que quer mais poder e mais dinheiro. É aqui que realmente a traição começa. É aqui que Leone nos mostra a ambição de Max, que faz com que traia os amigos. Quando recebem uma proposta para abrirem um negócio apoiados pelo sindicalista Jimmy “Mãos-Limpas”, Noodles rejeita logo à partida enquanto Max fica tentado pela ideia e com vontade de entrar no negócio. Na discussão, Max diz a Noodles que ele há-de cheirar a rua o resto das vidas, ou seja que não há-de passar de um pequeno criminoso. A resposta de Noodles é bem elucidativa da diferença de ambição entre os dois, dizendo-lhe “ Eu gosto do cheiro das ruas. Faz-me sentir bem. Gosto do cheiro. Abre-me os pulmões. E dá-me tesão.” É aqui, embora Max vá atrás dele e decida ir com ele passar férias na praia, que o pensamento de Max começa a direccionar-se para a sua única saída com vista a tornar-se um homem poderoso. A partir deste momento, Max toma consciência que continuando com Noodles e os outros dois, nunca virá a ter o poder que sempre desejou. Por isso, concorda com Noodles e acompanha-o justamente para pensar numa maneira de os largar. Em relação ao outro tema do filme, o amor, descobrimos no fim do filme que Max é apaixonado por Deborah desde criança, o grande amor de Noodles. Embora Deborah fosse também ela apaixonada por Noodles, este amor nunca poderia dar certo devido à ambição de Deborah em ser uma grande actriz. De facto, Max e Deborah eram muito parecidos, talvez por isso acabem juntos. No fim do filme percebemos que Noodles tinha apenas uma ambição, o amor por Deborah. Foi esse amor que o ajudou a superar os anos na prisão, é esse amor e o desespero de o perder sem nunca o ter tido realmente que leva Noodles a violar Deborah depois de ela lhe dizer que ia para Hollywood. Mas é no início do filme, ou melhor, na primeira das três épocas do filme, a infância, que Sergio Leone nos oferece as melhores cenas sobre o amor de Noodles por Deborah. É durante as cenas em que Noodles observa a sua amada dançando ballet que a beleza do filme está mais latente. Mais mágico, mais belo ainda é ver que Deborah sabia que Noodles a observava. É das cenas mais lindas que já vi no cinema, o amor entre duas crianças, o jogo de sedução entre elas, que com a timidez que lhe é própria da idade se vai desenvolvendo até à cena em que Deborah lhe lê o seu diário onde fala do seu amado e dão o primeiro beijo. Mas já aqui, ainda crianças, Deborah tem o sonho de chegar ao “topo”, como ela diz. Já nesta idade, Deborah tem consciência que terá que optar entre o amor e a carreira.
O fim do filme traz-nos duas incógnitas (embora a mim me traga só uma). Depois da conversa entre Noodles e Max (já como Senador Bailey), onde este lhe pede que o mate e faça justiça à traição por ele cometida, Noodles recusa fazê-lo. Trata-o sempre por Senador Bailey e ignora a questão de traição argumentando a veracidade da morte de Max, querendo demonstrar-lhe que já estava morto para ele há muito tempo, não tendo assim necessidade em matá-lo outra vez. Noodles vai-se embora e na rua olha para trás e vê Max indo em direcção a um triturador de lixo. Quando este camião passa completamente por Max, este já lá não está. Há quem considere que Max pode ter encenado a sua morte outra vez, mas fica a incerteza se ele não se teria matado realmente. A meu ver, Sergio Leone quis mostrar isso mesmo, deixar essa dúvida, pois Noodles estava a ver e quis mostrar que também ele ficou com a incerteza da morte de Max, mais uma vez. O filme acaba com Noodles deitado no teatro chinês (supostamente nos anos trinta) a fumar ópio e olhando para cima (para a câmara) sorrindo. Este sorriso final de Noodles deixa-me a mim mais duvidoso do que a questão da morte de Max. O que é que Leone nos quis dizer com este sorriso final? Tenho várias teorias plausíveis, mas nenhuma delas é certa, por isso, fica a dúvida, fica o mistério, mas não é isso que faz de “Once Upon A Time In America” um filme menor, pelo contrário, a dúvida que fica faz-nos pensar no filme e tentar compreender a visão de Sergio Leone, mesmo depois de o visionarmos várias vezes, pois a vida também é cheia de incertezas e nem por isso deixa de ser bela. “Once Upon A Time In America “ é um grandioso clássico do cinema americano, uma linda história de um amor interrompido. Simplesmente magistral.
Com Robert de Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Treat Williams, Joe Pesci, Danny Aiello
Obra-prima de Sergio Leone, curiosamente fora do estilo que o imortalizou como um dos grandes génios do cinema, o western spaghetti. Aquando da sua estreia, o filme foi “mutilado” (palavras de Sergio Leone), tendo sido exibido numa versão de 139 minutos, cerca de hora e meia a menos do que a versão completa e que foi lançada em vídeo.
Mais do que um filme, “Once Upon A Time In America” é uma ode à amizade, um hino ao amor, um olhar penetrante à traição e à inveja, uma reflexão sobre confiança e ambição e um retracto da ascensão e a queda do mundo da máfia judaica. Já muito se disse sobre este filme, mas nunca é demais contemplar esta obra-prima de Leone. Posso ser muito criticado pelo que se segue, mas a verdade é que para mim esta relíquia do cinema americano é superior a “The Godfather” (O Padrinho) de Francis Ford Coppola. Talvez devido à altura em que o vi pela primeira vez e por me ter marcado muito, mas também porque é um filme mais sublime, mais melancólico, mais completo e nostálgico. Enquanto o filme de Coppola na sua grandiosidade e plenitude se cinge à família, este não. “Once Upon A Time In America” apresenta-nos valores morais, amizade, amor, crime, traição, confiança e a infância. É daquelas obras cinematográficas que se vê e revê vezes sem conta sem desiludir ou maçar. Sergio Leone era um mestre com a câmara nas mãos e o filme está repleto de planos longos espantosos, sem falar nos close ups fenomenais a que Leone nos habituou. Ennio Morricone em sintonia absoluta com Sergio Leone mais uma vez. A fantástica banda sonora de Morricone faz as lágrimas virem aos olhos nas mais variadas cenas do filme e, a meu ver, consegue aqui uma das suas melhores composições a par da de “Cinema Paradiso” de Giuseppe Tornatore.
O filme traz-nos a história de dois amigos desde o virar do século XIX para o século XX, passando pelos anos 30 durante a famosa Lei Seca até os anos 50. É a história de Noodles (Robert de Niro) e Max (James Woods) que Leone nos traz com este “Once Upon A Time In America”. É uma história de amizade, da perda desta, de traição, ambição e amor. A violência que o filme acarreta é lhe imposta devido às épocas em que a história se insere e claro, a um dos temas do filme, a máfia judaica, aquela que antecedeu a famosa máfia italiana. O que Leone nos mostra é que na viragem do século e durante a Lei Seca, os mafiosos eram pequenos gangs organizados que actuavam sozinhos, aqui no filme são apenas quatro amigos, e quando o mundo da máfia começa a mudar (depois do aparecimento da máfia italiana e irlandesa), Noodles permanece fiel ao seu estilo, facto que vai contra a ambição de Max, que quer mais poder e mais dinheiro. É aqui que realmente a traição começa. É aqui que Leone nos mostra a ambição de Max, que faz com que traia os amigos. Quando recebem uma proposta para abrirem um negócio apoiados pelo sindicalista Jimmy “Mãos-Limpas”, Noodles rejeita logo à partida enquanto Max fica tentado pela ideia e com vontade de entrar no negócio. Na discussão, Max diz a Noodles que ele há-de cheirar a rua o resto das vidas, ou seja que não há-de passar de um pequeno criminoso. A resposta de Noodles é bem elucidativa da diferença de ambição entre os dois, dizendo-lhe “ Eu gosto do cheiro das ruas. Faz-me sentir bem. Gosto do cheiro. Abre-me os pulmões. E dá-me tesão.” É aqui, embora Max vá atrás dele e decida ir com ele passar férias na praia, que o pensamento de Max começa a direccionar-se para a sua única saída com vista a tornar-se um homem poderoso. A partir deste momento, Max toma consciência que continuando com Noodles e os outros dois, nunca virá a ter o poder que sempre desejou. Por isso, concorda com Noodles e acompanha-o justamente para pensar numa maneira de os largar. Em relação ao outro tema do filme, o amor, descobrimos no fim do filme que Max é apaixonado por Deborah desde criança, o grande amor de Noodles. Embora Deborah fosse também ela apaixonada por Noodles, este amor nunca poderia dar certo devido à ambição de Deborah em ser uma grande actriz. De facto, Max e Deborah eram muito parecidos, talvez por isso acabem juntos. No fim do filme percebemos que Noodles tinha apenas uma ambição, o amor por Deborah. Foi esse amor que o ajudou a superar os anos na prisão, é esse amor e o desespero de o perder sem nunca o ter tido realmente que leva Noodles a violar Deborah depois de ela lhe dizer que ia para Hollywood. Mas é no início do filme, ou melhor, na primeira das três épocas do filme, a infância, que Sergio Leone nos oferece as melhores cenas sobre o amor de Noodles por Deborah. É durante as cenas em que Noodles observa a sua amada dançando ballet que a beleza do filme está mais latente. Mais mágico, mais belo ainda é ver que Deborah sabia que Noodles a observava. É das cenas mais lindas que já vi no cinema, o amor entre duas crianças, o jogo de sedução entre elas, que com a timidez que lhe é própria da idade se vai desenvolvendo até à cena em que Deborah lhe lê o seu diário onde fala do seu amado e dão o primeiro beijo. Mas já aqui, ainda crianças, Deborah tem o sonho de chegar ao “topo”, como ela diz. Já nesta idade, Deborah tem consciência que terá que optar entre o amor e a carreira.
O fim do filme traz-nos duas incógnitas (embora a mim me traga só uma). Depois da conversa entre Noodles e Max (já como Senador Bailey), onde este lhe pede que o mate e faça justiça à traição por ele cometida, Noodles recusa fazê-lo. Trata-o sempre por Senador Bailey e ignora a questão de traição argumentando a veracidade da morte de Max, querendo demonstrar-lhe que já estava morto para ele há muito tempo, não tendo assim necessidade em matá-lo outra vez. Noodles vai-se embora e na rua olha para trás e vê Max indo em direcção a um triturador de lixo. Quando este camião passa completamente por Max, este já lá não está. Há quem considere que Max pode ter encenado a sua morte outra vez, mas fica a incerteza se ele não se teria matado realmente. A meu ver, Sergio Leone quis mostrar isso mesmo, deixar essa dúvida, pois Noodles estava a ver e quis mostrar que também ele ficou com a incerteza da morte de Max, mais uma vez. O filme acaba com Noodles deitado no teatro chinês (supostamente nos anos trinta) a fumar ópio e olhando para cima (para a câmara) sorrindo. Este sorriso final de Noodles deixa-me a mim mais duvidoso do que a questão da morte de Max. O que é que Leone nos quis dizer com este sorriso final? Tenho várias teorias plausíveis, mas nenhuma delas é certa, por isso, fica a dúvida, fica o mistério, mas não é isso que faz de “Once Upon A Time In America” um filme menor, pelo contrário, a dúvida que fica faz-nos pensar no filme e tentar compreender a visão de Sergio Leone, mesmo depois de o visionarmos várias vezes, pois a vida também é cheia de incertezas e nem por isso deixa de ser bela. “Once Upon A Time In America “ é um grandioso clássico do cinema americano, uma linda história de um amor interrompido. Simplesmente magistral.
Classificação - 5 Estrelas Em 5
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