Há uns anos o mundo apercebeu-se de uma França multi-étnica composta por "emigrantes de 2ª geração" que não se identificavam com pátria alguma, apelidados pelo sempre polido e comedido Sarkozy de "escumalha". A identificarem-se com algum espaço, será com os bairros dos subúrbios onde residem, naturalmente que não será com a escola. Porém, é na escola, numa específica sala de aula onde um desorientado professor de Francês (François Bégaudeau) tenta cumprir o programa sem abandonar os seu vincado modo de ser,que se desenrola esta narrativa ficcional/documental. À semelhança do didacta, nenhum dos alunos refreia os modos, a entoação, a atitude. No início a palavra "pirralhos" paira no pensamento... depois vêm à memória os tempos de escola e (pelo menos no meu caso) descobre-se que talvez se fosse tão ruim ou pior do que aquela gente a quem sobra ignorância, arrogância, actividade hormonal, etc, mas que por algum motivo obscuro encerram uma magia ímpar no momento em que se lhes alcança a alma, e naquela personalidade em formação, naquela entidade em auto-procura contínua, sôfrega ou letárgica, ainda e sempre indagante do futuro... se altera algo para melhor. Os adolescentes são interessantes porque espelham a noção de possibilidade, de potencialidade... de esperança. Quer-se chibatá-los por causa dos telemóveis e da impertinência mas há ali uma aura que os torna dignos de mais esforços.
Mas voltando à vaca fria... "A Turma" tem feito furor por diversos factores. Eu arriscaria que a sua autenticidade desassombrada e despretensiosa é o factor mobilizante da crítica. E aqui há que congratular a inteligentíssima realização de Cantet, que com 3 câmaras obtém os planos de uma realidade digna da designação. Além destes dois factores e a par deles, os alunos reais a interpretarem-se foi uma decisão de cast/argumento tão arriscada quanto ampla de sucesso. A crítica mais acutilante dirá que ali não há uma história a ser contada. Mas observando cuidadosamente há naquele espaço 25 histórias em confluência, 24 de um lado contra aquele solitário adulto entre gente com metade da sua idade que o desafia enquanto representante das regras da sociedade que lhes impõe deveres e à qual não sentem dever o quer que seja.
Assiste-se ao desenrolar de um ano lectivo, iniciado no bulício desregrado do costume, povoado de incidentes que o distinguem de outros tantos como ele que também terão traços únicos e porém comuns, culminando numa conversa entre o professor e os alunos, sobre aquilo que aprenderam na escola nesse espaço de tempo que medeia duas férias de Verão. A aluna que perdeu o interesse e toda a sua atitude é de uma insolência enervante, a reivindicativa delegada que despreza o Diário de Anne Frank mas andou a ler A República de Platão, o aplicado filho de emigrantes chineses sob ameaça de deportação que todos os professores tomam como modelo ideal de filho, os engraçadinhos de serviço e o filho de emigrantes do Mali, caso sério de indisciplina que culmina num conselho disciplinar com uma mãe duplamente deslocada, da realidade e da língua... ainda assim, o espectador é nela que se encontra (ou quer encontrar), naquele hiato comunicacional em que nem tudo parece fielmente traduzido. Mas a ênfase dramática cabe àquele momento em que no final da última aula, uma aluna espera para ficar reduzida ao sigilo do sistema simbolizado no professor, apesar de no olhar se notar a procura de uma salvação em que deixou de crer: não aprendeu nada. Não compreende as coisas que os colegas percebem. A maior das falhas, sob todos os pontos de vista, é esta: deixar de notar diferenças desta dimensão, só porque passam discretamente pelas salas de aula e nunca por conselhos disciplinares, dado que estes foram criados para lidar com uma pré-marginalidade cujo combate assumiu primazia desde há muito... ou até sempre.
Desenganem-se aqueles que esperam algum desvendar de uma grande evidência conducente a algo mais do que uma pluralidade existencial, cultural e social semi-caótica, própria do nosso tempo como de nenhum outro antes dele, em que o professor alterado deixa escapar que duas alunas se comportaram como galdérias, perdendo a credibilidade que tinha aos olhos de todos, sobretudo aos dele, sem poder sair de cena ou apagar o sucedido. Semi-caótica porque há ali uma harmonia subjacente, ténue, quiçá efémera... no jogo de futebol professores vs. alunos não se conhecem vencedores/vencidos, mas procuram-se os meandros mais prosaicos da acção. Não é preciso vestir a realidade de outra coisa que não de si mesma para se fazer bom cinema. A genialidade não é ostensiva, tem os seus momentos, há falhas e excessos, ainda assim é um filme a não deixar sair de cartaz sem marcar presença dentro da sala.
Mas voltando à vaca fria... "A Turma" tem feito furor por diversos factores. Eu arriscaria que a sua autenticidade desassombrada e despretensiosa é o factor mobilizante da crítica. E aqui há que congratular a inteligentíssima realização de Cantet, que com 3 câmaras obtém os planos de uma realidade digna da designação. Além destes dois factores e a par deles, os alunos reais a interpretarem-se foi uma decisão de cast/argumento tão arriscada quanto ampla de sucesso. A crítica mais acutilante dirá que ali não há uma história a ser contada. Mas observando cuidadosamente há naquele espaço 25 histórias em confluência, 24 de um lado contra aquele solitário adulto entre gente com metade da sua idade que o desafia enquanto representante das regras da sociedade que lhes impõe deveres e à qual não sentem dever o quer que seja.
Assiste-se ao desenrolar de um ano lectivo, iniciado no bulício desregrado do costume, povoado de incidentes que o distinguem de outros tantos como ele que também terão traços únicos e porém comuns, culminando numa conversa entre o professor e os alunos, sobre aquilo que aprenderam na escola nesse espaço de tempo que medeia duas férias de Verão. A aluna que perdeu o interesse e toda a sua atitude é de uma insolência enervante, a reivindicativa delegada que despreza o Diário de Anne Frank mas andou a ler A República de Platão, o aplicado filho de emigrantes chineses sob ameaça de deportação que todos os professores tomam como modelo ideal de filho, os engraçadinhos de serviço e o filho de emigrantes do Mali, caso sério de indisciplina que culmina num conselho disciplinar com uma mãe duplamente deslocada, da realidade e da língua... ainda assim, o espectador é nela que se encontra (ou quer encontrar), naquele hiato comunicacional em que nem tudo parece fielmente traduzido. Mas a ênfase dramática cabe àquele momento em que no final da última aula, uma aluna espera para ficar reduzida ao sigilo do sistema simbolizado no professor, apesar de no olhar se notar a procura de uma salvação em que deixou de crer: não aprendeu nada. Não compreende as coisas que os colegas percebem. A maior das falhas, sob todos os pontos de vista, é esta: deixar de notar diferenças desta dimensão, só porque passam discretamente pelas salas de aula e nunca por conselhos disciplinares, dado que estes foram criados para lidar com uma pré-marginalidade cujo combate assumiu primazia desde há muito... ou até sempre.
Desenganem-se aqueles que esperam algum desvendar de uma grande evidência conducente a algo mais do que uma pluralidade existencial, cultural e social semi-caótica, própria do nosso tempo como de nenhum outro antes dele, em que o professor alterado deixa escapar que duas alunas se comportaram como galdérias, perdendo a credibilidade que tinha aos olhos de todos, sobretudo aos dele, sem poder sair de cena ou apagar o sucedido. Semi-caótica porque há ali uma harmonia subjacente, ténue, quiçá efémera... no jogo de futebol professores vs. alunos não se conhecem vencedores/vencidos, mas procuram-se os meandros mais prosaicos da acção. Não é preciso vestir a realidade de outra coisa que não de si mesma para se fazer bom cinema. A genialidade não é ostensiva, tem os seus momentos, há falhas e excessos, ainda assim é um filme a não deixar sair de cartaz sem marcar presença dentro da sala.
Classificação - 4,5 Estrelas Em 5
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