Realizado por John Carpenter
Com Adrienne Barbeau, Jamie Lee Curtis, Janet Leigh, John Houseman, Tom Atkins
Com este seu The Fog, John Carpenter, um dos mestres do cinema de terror e criador do mítico Halloween (1978), regressou aos temas que o celebrizaram na década de 1970. O realizador Norte-Americano lança nos anos 80 um dos seus projectos mais pessoais, confrontando a audiência com mais um intenso estudo sobre o medo, algo que o seu cinema sempre viria a priveligiar.
O cenário de The Fog passa a ser novamente a "pequena comunidade", cenário primitivo de todos os horrores e mistérios, espaço privilegiado para o inexplicável. Estamos numa pequena cidade costeira da Califórnia, Antonia Bay. Um velho marinheiro conta a um grupo de míudos reunidos à volta de uma fogueira, na praia, como, 100 anos antes, no dia 21 de Abril, um navio se havia afundado junto à costa. Fica lançado o "motto" de uma boa história de terror. A atmosfera de mistério intensifica-se quando, nessa mesma noite, o Padre Malone encontra o diário de um outro padre que vivera aquela noite de pesadelo. Ao testemunho ficcionado do velho marinheiro, junta-se assim o relato "histórico" que dá força ao argumento. Nessa notícia escrita, o Padre Malone - e nós com ele - fica a saber que em 1880, Blake comprara um barco, com o intuito de levar para Antonia Bay uma colónia de leprosos. Dado que os habitantes da comunidade não queriam que tal acontecesse, conta-se que seis conspiradores atraíram o barco para uma armadilha, levando ao naufrágio do mesmo, e consequente morte de todos os passageiros. O facto histórico no filme é assim comemorado por aquela comunidade como tendo sido um momento fundador, um motivo de orgulho e não de vergonha pelo crime cometido, tal como o Padre Malone descobrira. Ironia suprema, ou não, alguns elementos repetem-se. Quase simultaneamente, um barco de pesca vê-se em dificuldades ao largo da costa de Antonia Bay. Uma onda de nevoeiro, estranhamente cintilante, rodeia a embarcação, de forma tão intensa que acaba por provocar a morte de toda a tripulação. A inexplicabilidade é engenhosamente mantida por Carpenter, com uma toada narrativa que o realizador americano administra com brilhantismo.
Na verdade, este The Fog ilustra bem um dos elementos que melhor caracteriza o cinema de John Carpenter: a grande economia narrativa, a forma cuidada como gere o desenrolar da acção, tudo através do recurso a uma técnica narrativa de representação de várias acções em simultâneo. Cria-se, assim, uma intrincada teia de "suspense" que acaba por transformar mesmo um argumento mediano num produto que, mais do que tudo, sabe explorar o medo do espectador, de uma forma de tal maneira intimista que dificilmente Hollywood consegue recuperar actualmente. O cinema de Carpenter explora o poder/fraqueza dos espaços fechados, aqui simbolizado plenamente pela pequena comunidade de Antonia Bay. A ameaça externa (o nevoeiro) procura avançar sobre a comunidade, expondo as suas fraquezas, as suas falhas e pecados, ao ponto de transformar o filme de Carpenter num verdadeiro comentário social sobre o mundo fora da tela. Muitos criticos, vêem mesmo este The Fog como um comentário sobre a fundação dos EUA: terra fundada sobre um conjunto de crimes. Tal comentário é válido, principalmente se tivermos em conta a dimensão narrativa da película. A sua força maior é no entanto a forma como a montagem consubstancia o texto de The Fog. A montagem como que recria a teia de significações e subtextos do filme. De facto, a representação do argumento como sucessivos episódios (ou quadros) que se vão encaixando funciona apenas devido à montagem paralela escolhida por Carpenter. Na prática, temos diversas sequências que se vão encaixando em torno de uma sequência narrativa principal. No seu conjunto, acabamos não só por sentir toda aquela experiência de "medo" (sim, porque esse é o tema central em Carpenter) com mais intensidade, mas também, e principalmente na minha opinião, acabamos por ver formada à nossa frente toda uma série de possiveis leituras para o filme, algo que não acontece de todo com a generalidade dos filmes de "terror" que têm sido lançados desde os anos 1990. Exemplificativo disto mesmo, é toda a sequência em que a locutora de rádio está isolada no seu farol, assistindo à invasão da cidade por parte do nevoeiro. Numa casa isolada, cuja visão ela domina, está o seu filho. No observatório meteorológico está um seu amigo, a cuja morte assiste através do som que lhe chega pelo telefone. Num outro quadro, o xerife preside às comemorações do centenário do "crime". Na estrada estão Nick Castle e Elizabeth Solley, um casal que se encontra fortuitamente, quando ela pede uma boleia, e que irá servir como elo de ligação entre toda a história. Por fim, na igreja local, o padre Malone aguarda, acredita ele, pela chegada dos vingadores que pretendem recuperar a fortuna em ouro perdida no naufrágio de há 100 anos. Na prática todos estes acontecimentos são vários quadros que mais ou menos de encaixam e funcionam em sequência com o que se passa na igreja, local onde tudo se resolverá.
Fog apresenta-nos ainda outro dos temas fortes que marcam a carreira de Carpenter: os "sitiados" que se degladiam com uma ameaça externa. Na verdade, em quase todos os seus filmes, está sempre bem presente um "ataque" que vem de fora. Como nos diz Lauro António, "uma ameaça que vem do interior de nós, que é uma projecção do nosso inconsciente culpado, que, por isso memso, se situa no terreno movediço dos zombies."A colagem de The Fog ao "morto-vivo" pode ser exagerada é certo, mas a verdade é que há no filme uma certa claustrofobia provocada pela ameaça externa e também pela própria clausura da comunidade. Fica a ideia de que o elemento exterior vem desmascarar o sujeito colectivo da narrativa. Algo que é reforçado por toda a construção episódica e ao mesmo tempo linear de toda a estrutura conceptual da película. Numa altura em que o filme de "terror" parece querer voltar a afirmar-se como espaço privilegiado para a "metaforização" do real, nunca é demais fazer renascer o mestre John Carpenter. The Fog não teve um estrondoso sucesso junto do público (afinal de contas as expectativas estavam em Halloween e em toda uma série de slash movies dee então), mas mesmo assim vale a pena ver ou rever este filme de outros tempos. Apesar de visualmente o filme estar naturalmente datado, há aqui qualquer coisa que o cinema contemporâneo perdeu.
Com Adrienne Barbeau, Jamie Lee Curtis, Janet Leigh, John Houseman, Tom Atkins
Com este seu The Fog, John Carpenter, um dos mestres do cinema de terror e criador do mítico Halloween (1978), regressou aos temas que o celebrizaram na década de 1970. O realizador Norte-Americano lança nos anos 80 um dos seus projectos mais pessoais, confrontando a audiência com mais um intenso estudo sobre o medo, algo que o seu cinema sempre viria a priveligiar.
O cenário de The Fog passa a ser novamente a "pequena comunidade", cenário primitivo de todos os horrores e mistérios, espaço privilegiado para o inexplicável. Estamos numa pequena cidade costeira da Califórnia, Antonia Bay. Um velho marinheiro conta a um grupo de míudos reunidos à volta de uma fogueira, na praia, como, 100 anos antes, no dia 21 de Abril, um navio se havia afundado junto à costa. Fica lançado o "motto" de uma boa história de terror. A atmosfera de mistério intensifica-se quando, nessa mesma noite, o Padre Malone encontra o diário de um outro padre que vivera aquela noite de pesadelo. Ao testemunho ficcionado do velho marinheiro, junta-se assim o relato "histórico" que dá força ao argumento. Nessa notícia escrita, o Padre Malone - e nós com ele - fica a saber que em 1880, Blake comprara um barco, com o intuito de levar para Antonia Bay uma colónia de leprosos. Dado que os habitantes da comunidade não queriam que tal acontecesse, conta-se que seis conspiradores atraíram o barco para uma armadilha, levando ao naufrágio do mesmo, e consequente morte de todos os passageiros. O facto histórico no filme é assim comemorado por aquela comunidade como tendo sido um momento fundador, um motivo de orgulho e não de vergonha pelo crime cometido, tal como o Padre Malone descobrira. Ironia suprema, ou não, alguns elementos repetem-se. Quase simultaneamente, um barco de pesca vê-se em dificuldades ao largo da costa de Antonia Bay. Uma onda de nevoeiro, estranhamente cintilante, rodeia a embarcação, de forma tão intensa que acaba por provocar a morte de toda a tripulação. A inexplicabilidade é engenhosamente mantida por Carpenter, com uma toada narrativa que o realizador americano administra com brilhantismo.
Na verdade, este The Fog ilustra bem um dos elementos que melhor caracteriza o cinema de John Carpenter: a grande economia narrativa, a forma cuidada como gere o desenrolar da acção, tudo através do recurso a uma técnica narrativa de representação de várias acções em simultâneo. Cria-se, assim, uma intrincada teia de "suspense" que acaba por transformar mesmo um argumento mediano num produto que, mais do que tudo, sabe explorar o medo do espectador, de uma forma de tal maneira intimista que dificilmente Hollywood consegue recuperar actualmente. O cinema de Carpenter explora o poder/fraqueza dos espaços fechados, aqui simbolizado plenamente pela pequena comunidade de Antonia Bay. A ameaça externa (o nevoeiro) procura avançar sobre a comunidade, expondo as suas fraquezas, as suas falhas e pecados, ao ponto de transformar o filme de Carpenter num verdadeiro comentário social sobre o mundo fora da tela. Muitos criticos, vêem mesmo este The Fog como um comentário sobre a fundação dos EUA: terra fundada sobre um conjunto de crimes. Tal comentário é válido, principalmente se tivermos em conta a dimensão narrativa da película. A sua força maior é no entanto a forma como a montagem consubstancia o texto de The Fog. A montagem como que recria a teia de significações e subtextos do filme. De facto, a representação do argumento como sucessivos episódios (ou quadros) que se vão encaixando funciona apenas devido à montagem paralela escolhida por Carpenter. Na prática, temos diversas sequências que se vão encaixando em torno de uma sequência narrativa principal. No seu conjunto, acabamos não só por sentir toda aquela experiência de "medo" (sim, porque esse é o tema central em Carpenter) com mais intensidade, mas também, e principalmente na minha opinião, acabamos por ver formada à nossa frente toda uma série de possiveis leituras para o filme, algo que não acontece de todo com a generalidade dos filmes de "terror" que têm sido lançados desde os anos 1990. Exemplificativo disto mesmo, é toda a sequência em que a locutora de rádio está isolada no seu farol, assistindo à invasão da cidade por parte do nevoeiro. Numa casa isolada, cuja visão ela domina, está o seu filho. No observatório meteorológico está um seu amigo, a cuja morte assiste através do som que lhe chega pelo telefone. Num outro quadro, o xerife preside às comemorações do centenário do "crime". Na estrada estão Nick Castle e Elizabeth Solley, um casal que se encontra fortuitamente, quando ela pede uma boleia, e que irá servir como elo de ligação entre toda a história. Por fim, na igreja local, o padre Malone aguarda, acredita ele, pela chegada dos vingadores que pretendem recuperar a fortuna em ouro perdida no naufrágio de há 100 anos. Na prática todos estes acontecimentos são vários quadros que mais ou menos de encaixam e funcionam em sequência com o que se passa na igreja, local onde tudo se resolverá.
Fog apresenta-nos ainda outro dos temas fortes que marcam a carreira de Carpenter: os "sitiados" que se degladiam com uma ameaça externa. Na verdade, em quase todos os seus filmes, está sempre bem presente um "ataque" que vem de fora. Como nos diz Lauro António, "uma ameaça que vem do interior de nós, que é uma projecção do nosso inconsciente culpado, que, por isso memso, se situa no terreno movediço dos zombies."A colagem de The Fog ao "morto-vivo" pode ser exagerada é certo, mas a verdade é que há no filme uma certa claustrofobia provocada pela ameaça externa e também pela própria clausura da comunidade. Fica a ideia de que o elemento exterior vem desmascarar o sujeito colectivo da narrativa. Algo que é reforçado por toda a construção episódica e ao mesmo tempo linear de toda a estrutura conceptual da película. Numa altura em que o filme de "terror" parece querer voltar a afirmar-se como espaço privilegiado para a "metaforização" do real, nunca é demais fazer renascer o mestre John Carpenter. The Fog não teve um estrondoso sucesso junto do público (afinal de contas as expectativas estavam em Halloween e em toda uma série de slash movies dee então), mas mesmo assim vale a pena ver ou rever este filme de outros tempos. Apesar de visualmente o filme estar naturalmente datado, há aqui qualquer coisa que o cinema contemporâneo perdeu.
Classificação - 4 Estrelas Em 5
0 comentários :
Postar um comentário