Com Humphrey Bogard, Ingrid Bergman, Paul Henreid
Não é que Casablanca seja um grande filme. Visualmente não tem muito que o distinga de outros filmes do seu tempo. Michael Curtiz não é, de todo, um grande realizador, no entanto, o facto parece ser que o premiado Casablanca é um dos filmes mais citados, mais reconhecidos, mais repostos em televisão de sempre, transformando-se indiscutivelmente num dos exemplos paradigmáticos de uma Hollywood especial e de um conjunto de valores por ela promovidos. Na verdade, em 1942, altura em que o filme estreou, ninguém sequer sonharia que teria o sucesso estrondoso que teve, e ainda tem. Apesar de envolver na sua produção argumentistas e produtores de renome, bem como estrelas em ascensão (o imbatível Bogard e a diva sueca Ingrid Bergman), todos acreditavam que aquele seria "apenas" mais um produto da indústria, apenas mais um filme da cadeia de produção. Com um argumento dramaticamente superficial, uma narrativa linear, apostando numa trama já conhecida e em fórmulas de sucesso, do ponto de vista estético, Casablanca não acrescenta de facto muito. Tendo conhecido diversos argumentos, diversas versões – a determinada altura nas filmagens não se sabia como seria o final sequer –, Casablanca tem na sua base uma história de amor não consumado.
Filmado durante a Segunda Guerra Mundial, o filme de Michael Curtiz tem na figura de Rick Blaine (Humphrey Bogard) o seu principal destaque. Americano, homem rude e muito moldado à personna cinematográfica de Bogard, nem bonito nem feio, nada agradável, aparentemente afastado de tudo e de todos, Rick é o arquétipo perfeito do anti-herói que viria a ser retomado no "film-noir" ao longo dessa mesma década de 1940 e anos 50. A acção decorre na cidade de Casablanca, Marrocos, então sob domínio francês. A cidade era na altura um dos pontos fulcrais na rota de fuga ao avanço Nazi na Europa, já que os fugitivos do regime de Hitler podiam ai encontrar um livre-trânsito que os levará até Lisboa, onde poderiam embarcar rumo às Américas. Rick é o dono de um popular café em Casablanca, "The Rick's Café Américain", que funciona como ponto de encontro para as diversas culturas que andavam por Marrocos – franceses, americanos, ingleses, alemães, etc. A carga dramática do filme aumenta quando ao café chegam Victor Laszlo (Paul Henreid), um líder da resistência Checa, e Ilsa Lund (Ingrid Bergman), sua mulher, foragidos que pretendem obter o passaporte para Lisboa. Perseguido pelos nazis, o casal tenta a todo o custo obter o livre-trânsito. Tudo se complica quando Rick percebe que Ilsa fora sua amante em Paris, mesmo antes da guerra. Rick vê-se assim confrontado com um dilema: envolver-se com o casal, esquecendo a tortura que é esta reaproximação com uma mulher que tanto amou, e ajudá-los, ou manter-se neutral como até aqui?
Progressivamente, e de forma mais ou menos consistente, Casablanca vai respondendo a essa e outras questões, reconstruindo capazmente todo o enredo em torno de um triângulo amoroso que dá algum sal e pimenta a uma narrativa que se pretende assumir como retrato histórico ao mesmo tempo. Bogard, Bergman e Paul Henreid formam esse triângulo e constroem as suas personagens de forma consistente, dando ao filme muito do valor que ainda hoje terá. Para a memória de qualquer amante de cinema ficam certamente diversos momentos em que a exaltação romântica é determinante, episódios com belíssimos diálogos e considerável intensidade dramática. As interpretações seguram, de certa forma, todo o filme, já que o elevam a um plano mais elevado, mas a banda sonora também contribui decisivamente para a imortalização de todo aquele ambiente. Composta por Max Steiner (autor da banda sonora de Gone With the Wind) – curiosamente a música que perdurou, "Play it again, Sam", já existia, tendo sido composta por Herman Hupfeld, a banda sonora ajuda a criar o microcosmo que é afinal o café americano de Rick.
Ainda assim, e apesar de ser segundo vários críticos um dos filmes mais citados em listas de melhores de sempre, Casablanca não é brilhante, principalmente se considerado em paralelo com o momento específico que Hollywood atravessava. De certa forma, o filme não é propriamente "de" Michael Curtiz. É certo que Curtiz assina a produção, mas na prática este não é mais do que um produto de estúdio. O realizador de ascendência Húngara seria apenas mais um dos muitos realizadores com contrato fixo com a Warner Brothers. O espaço para a criatividade de um realizador a contrato – como eram quase todos no momento – era diminuto, pelo que aquilo que fica é na verdade a marca do estúdio e do sistema de produção que tudo isso implica. O trabalho do realizador estaria limitado por todo um conjunto de normas de produção, passando principalmente por ideias pré-concebidas daquilo que deveria ser o filme, tanto ao nível da realização, como do próprio argumento ou representação por parte do elenco. Casablanca é muito mais um produto do que uma obra de arte.
De facto, quando pensamos na Idade de Ouro (anos 1930, 1940 e inicio da década de 1950) do "studio-system" de Hollywood, pensamos naturalmente em grandes equipas de produção, em "sets" imensos e, claro, total controlo por parte do estúdio. Michael Curtiz é o exemplo máximo daquilo que seria um produto da "casa", ao ponto de ainda hoje serem poucas as pessoas que reconhecem o realizador de Casablanca. Isto não invalida que Curtiz tenha feito mais de 100 filmes e tenha tido uma carreira repleta de sucesso nos EUA. Porém, vem confirmar a apetência daquela Hollywood para o uso de fórmulas, para a produção em série e pela aposta num "star-system" para a divulgação dos seus produtos. Considerando tudo isto, no entanto, poder-se-á concluir que Casablanca é sim a reunião de tudo o que a Hollywood clássica poderia ter feito, assumindo-se como um documento histórico da indústria de então. O filme acaba por apresentar tudo aquilo que caracterizaria a produção cinematográfica, a forma como as películas eram produzidas, realizadas, promovidas. O poder de Casablanca reside principalmente no subtexto que engenhosamente é construído em torno de todas aquelas personagens. Muitas interpretações e análises do filme foram sendo apresentadas, mas, dado o contexto histórico, aquela que parece mais evidente tem que ver principalmente com a posição americana relativamente à participação no conflito mundial que dava então os primeiros passos. Em larga medida, o café de Rick – e a própria figura de Rick Blaine – pode ser entendido enquanto metáfora da América e, mais concretamente, da reacção inicial de neutralidade do país perante o avanço de Hitler. Os EUA, através do seu presidente Franklin D. Roosevelt, cedo declararam neutralidade perante o conflito (pro-aliança claro está) e contra todas as expectativas não declararam guerra ao eixo fascista. Apesar de os europeus desejarem a entrada dos EUA na guerra, tal não aconteceu até Junho de 1942, altura em que os americanos declaram guerra às potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Ora, em Casablanca toda esta gestão diplomática de forças aparece retratada. De forma subliminar é certo, mas aquele característico café americano congrega a diplomacia e jogo de interesses que marcou a primeira fase da Segunda Guerra Mundial. Rick, com a sua posição inicial de neutralidade, surge como espectador, mas ao mesmo tempo como figura que se destaca, já que – como era publicitado o filme – "Everybody comes to Rick's", ou seja, todos tentavam chamar para as suas causas pessoais Rick, tal como todos pretendiam que a América participasse mais activamente no conflito, esquecendo o neutralismo. Bogard – personalidade arquétipo do cidadão americano –, resulta assim como representante da América de 1942. Por um lado é uma figura atractiva, já que parece gozar de enorme liberdade de movimentos em todos os espaços do filme; é aquilo que todas as personagens desejam ser, ao ponto de ter toda a liberdade para ser arrogante, cínico, em tempo de guerra. Por outro lado, a sua arrogância parece ser o que mais nos atrai. A sua personagem entra mesmo em choque com todas as outras. Todos passam pela cidade de Casablanca em busca de algo mais, literalmente em trânsito rumo ao sonho americano, enquanto que Rick, por sua vez, foge é desse el-dorado americano. Exilado que está em Marrocos, procura apenas viver à margem de tudo o que o rodeia, mantendo-se propositadamente acima de todos os acontecimentos e dramas pessoais que o rodeiam. O heroísmo de Rick/Bogard confirma-se no final, quando abdica do seu amor em nome dos interesses colectivos. O seu bom carácter claro está, é confirmado com essa atitude activa de participação no conflito. Eventualmente, também os EUA entraram na guerra. Mas, por que será que ainda hoje muito do que é feito em cinema parece respirar Casablanca? Por que será que ainda respondemos tão positivamente ao filme, principalmente se o compararmos com o grandioso Citizen Kane, estreado apenas um ano antes? Muitas respostas poderiam ser dadas, a verdade no entanto, é que todos gostamos – e continuaremos a gostar – da ilusão que só o cinema garante, aquela magia quase perfeita que as imagens nos transmitem, mesmo perante uma história de amor rebuscada.
Para a história ficam os prémios. Óscar para Melhor Realizador, Melhor Filme e Melhor Argumento em 1944. Foi considerado o 3º maior filme de todos os tempos pelo American Film Institue (2007) e teve vários dos seus diálogos citados em diversas listas de "inesquecíveis". Goste-se ou não de Casablanca, a verdade é que já faz parte da história do cinema.
De facto, quando pensamos na Idade de Ouro (anos 1930, 1940 e inicio da década de 1950) do "studio-system" de Hollywood, pensamos naturalmente em grandes equipas de produção, em "sets" imensos e, claro, total controlo por parte do estúdio. Michael Curtiz é o exemplo máximo daquilo que seria um produto da "casa", ao ponto de ainda hoje serem poucas as pessoas que reconhecem o realizador de Casablanca. Isto não invalida que Curtiz tenha feito mais de 100 filmes e tenha tido uma carreira repleta de sucesso nos EUA. Porém, vem confirmar a apetência daquela Hollywood para o uso de fórmulas, para a produção em série e pela aposta num "star-system" para a divulgação dos seus produtos. Considerando tudo isto, no entanto, poder-se-á concluir que Casablanca é sim a reunião de tudo o que a Hollywood clássica poderia ter feito, assumindo-se como um documento histórico da indústria de então. O filme acaba por apresentar tudo aquilo que caracterizaria a produção cinematográfica, a forma como as películas eram produzidas, realizadas, promovidas. O poder de Casablanca reside principalmente no subtexto que engenhosamente é construído em torno de todas aquelas personagens. Muitas interpretações e análises do filme foram sendo apresentadas, mas, dado o contexto histórico, aquela que parece mais evidente tem que ver principalmente com a posição americana relativamente à participação no conflito mundial que dava então os primeiros passos. Em larga medida, o café de Rick – e a própria figura de Rick Blaine – pode ser entendido enquanto metáfora da América e, mais concretamente, da reacção inicial de neutralidade do país perante o avanço de Hitler. Os EUA, através do seu presidente Franklin D. Roosevelt, cedo declararam neutralidade perante o conflito (pro-aliança claro está) e contra todas as expectativas não declararam guerra ao eixo fascista. Apesar de os europeus desejarem a entrada dos EUA na guerra, tal não aconteceu até Junho de 1942, altura em que os americanos declaram guerra às potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Ora, em Casablanca toda esta gestão diplomática de forças aparece retratada. De forma subliminar é certo, mas aquele característico café americano congrega a diplomacia e jogo de interesses que marcou a primeira fase da Segunda Guerra Mundial. Rick, com a sua posição inicial de neutralidade, surge como espectador, mas ao mesmo tempo como figura que se destaca, já que – como era publicitado o filme – "Everybody comes to Rick's", ou seja, todos tentavam chamar para as suas causas pessoais Rick, tal como todos pretendiam que a América participasse mais activamente no conflito, esquecendo o neutralismo. Bogard – personalidade arquétipo do cidadão americano –, resulta assim como representante da América de 1942. Por um lado é uma figura atractiva, já que parece gozar de enorme liberdade de movimentos em todos os espaços do filme; é aquilo que todas as personagens desejam ser, ao ponto de ter toda a liberdade para ser arrogante, cínico, em tempo de guerra. Por outro lado, a sua arrogância parece ser o que mais nos atrai. A sua personagem entra mesmo em choque com todas as outras. Todos passam pela cidade de Casablanca em busca de algo mais, literalmente em trânsito rumo ao sonho americano, enquanto que Rick, por sua vez, foge é desse el-dorado americano. Exilado que está em Marrocos, procura apenas viver à margem de tudo o que o rodeia, mantendo-se propositadamente acima de todos os acontecimentos e dramas pessoais que o rodeiam. O heroísmo de Rick/Bogard confirma-se no final, quando abdica do seu amor em nome dos interesses colectivos. O seu bom carácter claro está, é confirmado com essa atitude activa de participação no conflito. Eventualmente, também os EUA entraram na guerra. Mas, por que será que ainda hoje muito do que é feito em cinema parece respirar Casablanca? Por que será que ainda respondemos tão positivamente ao filme, principalmente se o compararmos com o grandioso Citizen Kane, estreado apenas um ano antes? Muitas respostas poderiam ser dadas, a verdade no entanto, é que todos gostamos – e continuaremos a gostar – da ilusão que só o cinema garante, aquela magia quase perfeita que as imagens nos transmitem, mesmo perante uma história de amor rebuscada.
Para a história ficam os prémios. Óscar para Melhor Realizador, Melhor Filme e Melhor Argumento em 1944. Foi considerado o 3º maior filme de todos os tempos pelo American Film Institue (2007) e teve vários dos seus diálogos citados em diversas listas de "inesquecíveis". Goste-se ou não de Casablanca, a verdade é que já faz parte da história do cinema.
Classificação - 4 Estrelas Em 5
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