Com Ewan McGregor, Colin Ferrel, Hayley Atwell
Um novo Woody Allen é sempre um bom motivo para ir ao cinema. Principalmente este Woody Allen, aparentemente renovado pelos ares de Londres. O Sonho de Cassandra, não estando talvez ao nível de outros filmes do realizador Nova-Iorquino, é mais um contributo interessante de um realizador revitalizado. Não é uma comédia "Woody Allen", mas acaba por ser uma reafirmação dos fundamentos básicos da comédia de Woody Allen. Este O Sonho de Cassandra vem recuperar a essência da tragicomédia clássica, reafirmando assim o lugar e importância da comédia na obra de Allen.
Misturando um humor repleto de uma fina e delicada ironia com uma forte carga de humanidade, a narrativa desenvolve-se muito bem. Na sua génese temos a história de dois irmãos. Uma profunda amizade, respeito e espírito de entreajuda orienta-os. Percebemos logo de inicio que as mãos de um lavam as mãos do outro com cumplicidade. Ian (Ewan McGregor) tem, de acordo com os pais de ambos, a inteligência, enquanto que Terry (Colin Ferrel) tem a força. Ian ajuda o pai com o restaurante da família, mantendo no entanto um forte espírito empreendedor. Terry, por sua vez, mantém, em paralelo com o seu trabalho como mecânico, uma necessidade quase patológica de jogar em apostas, tendo inclusive alguns ganhos. A família de ambos vive com dificuldades, confiando sempre no auxilio da figura quase mítica de um tio Howard (Tom Wilkinson), abastado homem de negócios, que funciona como projecção máxima de sucesso. Acontece que um dia, Howard é quem precisa de ajuda devido a um problema com um dos seus colaboradores. A solução passa por encomendar a morte desse colaborador aos seus sobrinhos, desesperados por ajuda financeira que lhes permita construir os seus sonhos e sair do sufoco financeiro em que vivem. Contrato aceite, não haverá a possibilidade de recuarem.
Será precisamente nesse ponto que residirá a chave dramática da acção. Ian e Terry aceitam a proposta e, de certa forma, iniciam um percurso rumo à tragédia. Numa quase perfeita simulação da tragédia greco-romana, Woody Allen recria a noção de ethos clássico. Sentimento fácil de constatar logo pelo título do filme, que, por sua vez, é retirado do nome do barco que ambos os irmãos compram e que estará subliminarmente interligado ao clímax da narrativa. Cassandra, figura central do teatro trágico grego teria o dom da profetização através de sonhos ou visões, estando no entanto condenada a uma vida de tragédia. Ora, será essa sensação de tragédia que dominará o filme, acentuada mesmo pela banda sonora (que pauta toda a acção). Tudo se desenvolve aparentemente sem dificuldades ao longo do filme, até ao ponto em que nós público começamos a estranhar. A tragédia está iminente, em vários motivos. É recorrente, por exemplo, a referência ao "sonho", seja enquanto desejo de algo mais, enquanto simples expressão ou mesmo enquanto elemento subliminar (repare-se na personagem Angela Stark, interpretada por Hayley Atwell – movida pelo sonho de ver a sua carreira de actriz projectada em Hollywood). A ideia de tragédia sai também reforçada pela natureza quase circular da acção – no final, tudo volta ao cenário de partida, com o barco que uniu os irmãos no inicio, agora a marcar o clímax do filme.Allen joga com todos estes conceitos, apresentando-nos um filme que actualiza, por um lado, esse mesmo drama e comédia clássicos e, por outro, a própria filmografia do realizador. Em larga medida, este Sonho de Cassandra, funciona como uma grande actualização (ou reafirmação) do percurso que Woody Allen tem seguido desde o inicio. Até aqui a comédia tem tido nota dominante na sua filmografia. No entanto, tal como filmes como Annie Hall, Balas sobre a Broadway ou mesmo Scoop mostram, essa comédia tem uma natureza e toada próprias na sua concepção.
É, quanto a mim, uma comédia mais pura, mais aproximada aos conceitos de comédia defendidos por Aristóteles na sua Poética por exemplo. É uma comédia da vida, entrelaçada com momentos de tragédia humana, quotidiana. A comédia de Allen partiu sempre de ironias, de gags feitos de filosofia pura, simbolizada sempre pela personna fílmica do próprio realizador. São as chamadas verdades existenciais, secas, que habitualmente lhe são associadas. Ora este Sonho de Cassandra vem reafirmar tudo isso. Vem, se considerado em co-relação com os restantes filmes do autor, reorganizar a sua filmografia, recentrá-la e reposiciona-la, como que voltando a chamar a nossa atenção para a natureza trágica da sua comédia. Cassandra é um filme mais sombrio de facto, que, de certa forma, ilustra a mudança que ocorreu em Woody Allen após esta incursão londrina dos últimos filmes. A partir de Match Point, surgiu um Woody Allen mais negativista, ou, como muitos dirão, mais realista. As personagens passaram a ser mais conturbadas, marcadas por uma perturbação menos ingénuo (como seria por exemplo a perturbação quase esquizofrénica das personagens interpretadas pelo próprio). Agora serão capazes de matar, torturar. São vilões autênticos, que tudo fazem para sobreviver num mundo menos dado à comédia. As personagens interpretadas por McGregor e Ferrel são assim. Representam esse caminho para a tragédia, são personagens mais contemporâneas. Aqui, o contraste é maior, porque temos duas personagens opostas. Ferrel, com uma interpretação sólida, é alguém com quem conseguimos simpatizar. McGregor, pelo contrário, funciona como um pêndulo negativo que, constantemente, nos recorda o indivíduo bem sucedido e bem apresentável que, pisando os outros, chega ao topo. É esta dupla que dá ao filme a sua força. E é a união que a dupla mantém até ao fim que dá consistência à narrativa. Ian e Terry são, ao fim e ao cabo, as duas faces de cada um de nós. O tal anjo e diabo da nossa consciência, nesta história de crime e castigo em que Cassandra se transforma. Um outro ponto a favor de O Sonho de Cassandra é também a interpretação que Atwell faz de Angela Stark, uma quase femme-fatale por quem Ian se apaixona cegamente. Atwell encanta ao mesmo tempo que repulsa, funcionando como autêntica tentação para Ian, que tudo faz para que o sonho (cá está) daquela se concretize. Interpretação sólida também de Colin Ferrel, enquanto elo mais fraco, personificando muito bem a noção de culpa quase destruidora depois do crime cometido.
Será precisamente nesse ponto que residirá a chave dramática da acção. Ian e Terry aceitam a proposta e, de certa forma, iniciam um percurso rumo à tragédia. Numa quase perfeita simulação da tragédia greco-romana, Woody Allen recria a noção de ethos clássico. Sentimento fácil de constatar logo pelo título do filme, que, por sua vez, é retirado do nome do barco que ambos os irmãos compram e que estará subliminarmente interligado ao clímax da narrativa. Cassandra, figura central do teatro trágico grego teria o dom da profetização através de sonhos ou visões, estando no entanto condenada a uma vida de tragédia. Ora, será essa sensação de tragédia que dominará o filme, acentuada mesmo pela banda sonora (que pauta toda a acção). Tudo se desenvolve aparentemente sem dificuldades ao longo do filme, até ao ponto em que nós público começamos a estranhar. A tragédia está iminente, em vários motivos. É recorrente, por exemplo, a referência ao "sonho", seja enquanto desejo de algo mais, enquanto simples expressão ou mesmo enquanto elemento subliminar (repare-se na personagem Angela Stark, interpretada por Hayley Atwell – movida pelo sonho de ver a sua carreira de actriz projectada em Hollywood). A ideia de tragédia sai também reforçada pela natureza quase circular da acção – no final, tudo volta ao cenário de partida, com o barco que uniu os irmãos no inicio, agora a marcar o clímax do filme.Allen joga com todos estes conceitos, apresentando-nos um filme que actualiza, por um lado, esse mesmo drama e comédia clássicos e, por outro, a própria filmografia do realizador. Em larga medida, este Sonho de Cassandra, funciona como uma grande actualização (ou reafirmação) do percurso que Woody Allen tem seguido desde o inicio. Até aqui a comédia tem tido nota dominante na sua filmografia. No entanto, tal como filmes como Annie Hall, Balas sobre a Broadway ou mesmo Scoop mostram, essa comédia tem uma natureza e toada próprias na sua concepção.
É, quanto a mim, uma comédia mais pura, mais aproximada aos conceitos de comédia defendidos por Aristóteles na sua Poética por exemplo. É uma comédia da vida, entrelaçada com momentos de tragédia humana, quotidiana. A comédia de Allen partiu sempre de ironias, de gags feitos de filosofia pura, simbolizada sempre pela personna fílmica do próprio realizador. São as chamadas verdades existenciais, secas, que habitualmente lhe são associadas. Ora este Sonho de Cassandra vem reafirmar tudo isso. Vem, se considerado em co-relação com os restantes filmes do autor, reorganizar a sua filmografia, recentrá-la e reposiciona-la, como que voltando a chamar a nossa atenção para a natureza trágica da sua comédia. Cassandra é um filme mais sombrio de facto, que, de certa forma, ilustra a mudança que ocorreu em Woody Allen após esta incursão londrina dos últimos filmes. A partir de Match Point, surgiu um Woody Allen mais negativista, ou, como muitos dirão, mais realista. As personagens passaram a ser mais conturbadas, marcadas por uma perturbação menos ingénuo (como seria por exemplo a perturbação quase esquizofrénica das personagens interpretadas pelo próprio). Agora serão capazes de matar, torturar. São vilões autênticos, que tudo fazem para sobreviver num mundo menos dado à comédia. As personagens interpretadas por McGregor e Ferrel são assim. Representam esse caminho para a tragédia, são personagens mais contemporâneas. Aqui, o contraste é maior, porque temos duas personagens opostas. Ferrel, com uma interpretação sólida, é alguém com quem conseguimos simpatizar. McGregor, pelo contrário, funciona como um pêndulo negativo que, constantemente, nos recorda o indivíduo bem sucedido e bem apresentável que, pisando os outros, chega ao topo. É esta dupla que dá ao filme a sua força. E é a união que a dupla mantém até ao fim que dá consistência à narrativa. Ian e Terry são, ao fim e ao cabo, as duas faces de cada um de nós. O tal anjo e diabo da nossa consciência, nesta história de crime e castigo em que Cassandra se transforma. Um outro ponto a favor de O Sonho de Cassandra é também a interpretação que Atwell faz de Angela Stark, uma quase femme-fatale por quem Ian se apaixona cegamente. Atwell encanta ao mesmo tempo que repulsa, funcionando como autêntica tentação para Ian, que tudo faz para que o sonho (cá está) daquela se concretize. Interpretação sólida também de Colin Ferrel, enquanto elo mais fraco, personificando muito bem a noção de culpa quase destruidora depois do crime cometido.
No fim, temos então um filme bem construído – se considerado como um todo em contacto com os restantes filmes de Woody Allen –, que funciona muito bem. Talvez o público seguidor de Woody Allen se sinta um pouco defraudado devido a esta toada demasiado moralista ou Scorsesiana (por que não?) que domina o filme. Talvez o filme peque por ser demasiado linear ou convencional, sem os habituais "jogos" narrativos de Allen. Ainda assim, filme a ver, que continua a manter Woody Allen bem acima da generalidade dos cineastas americanos. Um Crime e Castigo dos tempos modernos, com pequenas pérolas em forma de palavras de tempos a tempos a recordarem-nos o auteur do filme. A sátira ocasional de Woddy Allen está presente, disfarçada mas bem viva.
Classificação - 3,5 Estrelas Em 5
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