sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Crítica - Atonement (2007)

Realizado por Joe Wright
Com Keira Knightley, James McAvoy, Vanessa Redgrave

Eis que finalmente chega às salas portuguesas um dos mais que prováveis nomeados para os prémios da Academia de Hollywood de 2007. Baseado no romance homónimo do consagrado escritor inglês Ian McEwan, Expiação confirma antes de mais Joe Wright como sendo um realizador competente, no que se refere sobretudo a adaptações literárias para o grande ecrã: já em 2005 Wright trouxe-nos a adaptação do romance de Jane Austen, Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito). Com argumento de Christopher Hampton e supervisão do próprio autor inglês, Expiação é sintomático de duas coisas. Por um lado, a ideia de que adaptar uma obra literária de referência será sempre um elemento de atracção em Hollywood e, numa outra perspectiva, a ideia de que nem sempre é fórmula de sucesso. Procurando reproduzir a estrutura narrativa da obra de McEwan na tela, Joe Wright acaba por recriar também a teia de significações que o livro procurava transmitir. Temos na tela o mesmo conflito entre acto criador/destruidor (Briony Tallis escreve aquilo que lemos/vemos, mas esse produto é ilusório e mentiroso como eventualmente percebemos), a natureza dos sentimentos humanos, a própria significação do olhar e da perspectiva individual. Apesar de no filme tais conceitos estarem presentes – como que englobando o público que conhece a obra de McEwan e aquele que não conhece – a verdade é que é tarefa inglória a de querer atrair ambos os públicos. É certo que comparar livros e os seus resultados cinematográficos é caminho que não deveremos seguir – são linguagens diferentes logo à partida –, mas a ideia com que fico ao sair da sala é que, de facto, certos textos dificilmente poderão ser reproduzidos em cinema. Expiação é um desses casos. Tanto assim é que, no final, fico com uma forte sensação de revolta interior ao ver condensado em 130 minutos um filme tão desprovido de verdadeiros sentimentos, tão fútil e quase tão imaturo quanto os textos iniciais da pequena Briony.
Expiação começa muito bem. Logo de inicio somos envolvidos pela trama, entramos de imediato em toda aquela grandiosidade da vida rural inglesa, personificada pela elegante casa de campo que serve de cenário à primeira parte do filme. Reparamos no entanto que a tranquilidade, extravagâncias e bem-estar daquela propriedade são pura ilusão. O ritmo quase teatral dos primeiros momentos contrasta com a banda sonora (fabulosa) que, por sua vez, antecipa os movimentos daquela que parece ser a protagonista – uma jovem Briony Tallis (Saoirse Ronan), criança cheia de imaginação e arrogância. Como que antecipando uma explosão, surgem as constantes referências ao calor. Tudo naquela casa parece transpirar tensão. Algo que viremos confirmar no final desse dia, quando uma mentira vem alterar a vida de várias pessoas. Seguindo a estrutura padrão do livro (dividido em três partes distintas), o filme desenvolve-se muito bem. Wright apostou sobretudo no movimento de câmara e nos desempenhos dos actores. A montagem acaba por não ser arriscada, apesar de termos acesso a alguns "flashbacks" em pontos-chave da acção, privilegiando-se sobretudo o enredo em detrimento da própria forma.


O filme falha no entanto no ponto em que, talvez, se esperasse mais, dado o carácter imagético do cinema: o retrato da retirada de Dunquerque em plena II Guerra Mundial. Correspondendo a uma segunda parte da acção, é de lamentar que seja o segmento que tem menor destaque, servindo quase apenas como fundo da acção. Durante cerca de 3/5 minutos seguimos um Robbie destroçado pela guerra (James McAvoy). A câmara deambula por entre os soldados ingleses que batem em retirada, numa sequência que se esperaria realista (o realismo quase esquizofrénico a que Ian McEwan nos habituou). Temos tudo menos isso. A violência da guerra – imagens que no livro arrepiam – limita-se a uma quase caricatura. A câmara, depois de nos guiar ao longo da praia, detém-se em Robbie, apresentando ai sim um rosto repleto de intensidade dramática. O vazio expresso pelo rosto de Robbie impressiona (desempenho magnífico do escocês McAvoy), mas tal demonstração de sentimentos torna-se ineficaz porque os horrores da guerra foram comprimidos naquela praia, onde apenas temos acesso aos resultados de um conflito que se arrasta noutros campos. Perde-se o efeito dramático que no livro é tão canalizado para esta mesma secção em Dunquerque. Falta coração a esta secção. Como Anthony Lane brilhantemente refere na New Yorker, dá a sensação de que Wright está a chamar a nossa atenção para a sua filmagem e não para o drama humano que representa aquele momento histórico. O coração em Expiação será recuperado ligeiramente nas cenas do hospital de Londres, onde Briony (já com 18 anos) é enfermeira durante os anos de guerra, mas, mesmo aí, a fuga ao realismo na caracterização de Briony acaba por ter o mesmo efeito negativo.


É uma segura adaptação literária, consolidada por desempenhos fabulosos de um cada vez mais popular James McAvoy no papel de Robbie Turner e de uma ascendente Keira Knightley (apesar de começar a apresentar certos tiques e maneirismos que carrega para todos os papeis), mas que nunca se destaca verdadeiramente, assumindo-se como mais um sucesso comercial a que Hollywood já nos habitou. Uma toada excessivamente teatralizada, excessivamente pomposa, acaba por transformar Expiação num bonito quadro, sem grandes investimentos ao nível de cinematografia, sem sentimento e sem intensidade dramática. O grande momento forte é o final. É o único momento em que o filme realmente respira por si, ao colocar o romance de McEwan no século XXI. Até ai Wright deixa que a câmara se perca em explicações (repare-se na cena em que Robbie percebe que trocara as cartas), o que enfraquece a carga emotiva que o livro constrói desde o início. É demasiada a ordem e a "pureza" de todo o filme. Visualmente é um filme de Hollywood, onde o sotaque britânico parece continuar a ser sinónimo de arte. Demasiado preocupado com o livro e em estabelecer "diálogos" com quem o conhece, Expiação não é brilhante como se esperaria. Como o próprio Wright afirma: esta é a sua visão do livro. É verdade, e esse é o problema. Entretanto, Expiação avança já com o Globo de Ouro para Melhor Filme e várias nomeações nos BAFTA. Ano pobre o de 2007.

Classificação - 2 Estrelas Em 5

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