sábado, 9 de junho de 2012

Crítica - Cosmopolis (2012)


Realizado por David Cronenberg
Com Robert Pattinson, Sarah Gadon, Paul Giamatti


O referencial de Cosmopolis é-nos familiar. A adaptação cinematográfica à obra literária homónima, de 2003, encaixa-se numa Manhattan multifacetada, referência de uma cultura ocidental que tudo aparenta viabilizar. Comprova-o a opulência do especulador Eric Packer, jovem yupie desenraizado, embriagado por uma incalculável fortuna pessoal e acompanhado, em permanência, por uma logística para-militar mitigadora de um receio inflacionado.
Em Cosmopolis, o “valor dos valores” no mundo da alta finança constitui o primeiro alvo de Cronenberg e, a montante, de Don DeLillo. Subentendem-se, nesse sentido, as dimensões do dinheiro, da cultura e do tempo, cujos contornos se esbatem à luz da epidémica crise mundial. Contornos esses que Eric Packer (Robert Pattinson), personificador da alienada geração vigente, desvaloriza.


A economia, os mercados e a política não são ciências exactas, e a inabilidade da estrutura de consultores que assessoria Eric em dirimir um comportamento cambial anómalo, controlada a partir de uma limousine high-tech, confirmam-no. Não há regras ou deontologia subjacentes à iniciativa neoliberal onde Eric opera, que insiste em ignorar as provocações anarquistas, as únicas que se revestem de ideologia ao longo da narrativa.
A bitola de Ulysses, de James Joyce, é indissociável do dia de Eric: o tempo, opressor, desdobra-se em fracções de maior ou menor significado e carece, à semelhança do capital, de outra atenção; os sistemáticos flirts sobrepõem-se à encenação de um matrimónio formal, irremediavelmente fragmentado; a aparição frenética de personagens de profundidade e eficácia duvidosas é constante; o desejo de reviver a figura paterna é indutor de um comportamento errático; o instantâneo e o oportuno esmagam o maturado e o racional.


O teatralizado Cosmopolis constitui uma crítica aguda à actual anemia cultural e ao comportamento de mercados e divisas, viabilizando uma reflexão acerca do antagonismo de perspectivas que cúpulas e classe média desenvolvem em torno da crise global. O seu veículo é a derrota de um micro-cosmos autista, ferido de morte pelas suas fragilidades, às mãos da "moeda do povo": o Yuan, da República Popular da China. 
A discutível presença de Robert Pattison não ensombra Cosmopolis – o seu registo aproxima-se, com competência, do gélido "Bel Ami" – ainda que as maiores valias, num plano individual, se dividam entre Sarah Gadon (mulher de Eric) e Paul Giamatti (pernicioso ex-colaborador), vértices da realidade que o jovem milionário escolhe viver e, apenas no limite, questionar. 
A irrepreensível co-produção de Paulo Branco faz-se acompanhar de uma banda sonora cuidada, plena de modernidade, sem se divorciar dos acordes sombrios de um “Crash” (1996) ou de um “eXistenZ” (1999). Com mais de quarenta anos, o percurso de David Cronenberg continua activo e em progressão. À semelhança de “Eastern Promisses” (2007), “Naked Lunch” (1991), ou "Dead Ringers" (1988), por entre outras, Cosmopolis apresenta-se-nos enquanto obra singular, consonante com o trajecto sinuoso do seu autor e cristalizada por via da exploração exaustiva da sua codificação e léxico. Imprescindível, no seu tempo.


Classificação – 4,5 Estrelas Em 5

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