segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Crítica - The Descendants (2011)

Realizado por Alexander Payne
Com George Clooney, Shailene Woodley, Beau Bridges

Os brilhantes “About Schmidt” (2002) e “Sideways” (2004) maravilharam a crítica internacional e transformaram Alexander Payne num dos realizadores mais badalados de Hollywood. O seu novo filme, “The Descendants”, está ao nível dessas fantásticas obras dramáticas e, tal como estas, oferece-nos uma narrativa realista e emocionalmente activa que aborda, com uma certa leveza e humor, os vários altos e baixos do destino e da vida em família. A sua história relata-nos então a louca e dramática aventura familiar de Matt King (George Clooney), um advogado e homem de negócios residente no Hawai, que após o trágico acidente de barco que coloca a sua mulher em coma, tenta pegar nas rédeas da sua família. As suas duas filhas (Shailene Woodley e Amara Miller), com quem mantinha uma relação distante, vão ajudá-lo a trilhar o caminho que tem pela frente, entretanto agravado com a descoberta de que a sua mulher mantinha uma relação extraconjugal com um homem casado.


O homónimo livro de Kaui Hart Hemmings está na base desta bela e tocante comédia dramática, sobre um homem comum que tenta lidar com os difíceis dramas familiares que afectam a sua vida, nomeadamente a infidelidade da sua mulher e os nefastos efeitos que a iminente morte desta terá nas suas duas filhas. O inicio de “The Descendants” mostra-nos um Matt King dedicado à sua mulher, Elizabeth King (Patricia Hastie), e confiante numa eventual melhoria do seu delicado estado de saúde, mas também nos dá a entender que ele é, antes de mais, um trabalhador obsessivo que tem vindo a favorecer a sua carreira em detrimento da sua vida familiar, sendo por isso incapaz de lidar com as violentas atitudes da sua filha mais nova, Scottie King (Amara Miller), ou com a rebeldia incontrolável da sua filha mais velha, Alexandra King (Shailene Woodley). O seu calmo e confiante estado emocional esvanece-se mal o médico da sua mulher o informa que ela está tecnicamente em morte cerebral e que, de acordo com o seu testamento, todas as máquinas que a mantêm viva têm que ser desligadas. Inicialmente, Matt fica arrasado e hesita em contar a verdade à sua família e a todos os seus conhecidos, mas lá acaba por revelar esta triste notícia à sua distante filha mais velha que, por sua vez, também lhe revela que Elizabeth o andava a trair com outro homem. Esta bombástica e devastadora revelação deixa-o furioso e com muitas dúvidas sobre os motivos que levaram Elizabeth a trai-lo com outro homem, mas em vez de se torturar emocionalmente ou atacar o bom nome da sua mulher, decide tentar encontrar o seu amante mistério, numa última tentativa de descobrir a verdade. O enredo de “The Descendants” utiliza habilmente esta demanda de Matt para analisar os altos e baixos do seu estado emocional, mas também para nos mostrar o seu admirável carácter que é exteriorizado em várias cenas, nomeadamente na sua constante recusa em revelar a traição da sua mulher à sua filha mais nova, aos seus familiares ou até à mulher do amante. O confronto "final" com o amante também exterioriza este seu lado mais cordial, mas também reforça a leve essência desta obra porque tudo acontece de uma forma muito civilizada e sem nenhuma cena violenta ou excessivamente dramática. A um nível mais secundário, Matt King também tem que lidar com a desmesurada avidez da sua família que, na sua maioria, parece decidida em alienar o último terreno da sua herança centenária, mesmo que isso implique a destruição de uma bela zona natural. Matt era inicialmente um dos maiores defensores da venda, mas os recentes acontecimentos motivam-no a defender a herança e a contrariar a vontade da maioria dos seus familiares, algo que é aplaudido pela comunidade havaiana e pelas suas filhas que, ao longo do filme, foram restabelecendo e reconstruindo a seu lado uma forte relação de confiança e amor que acaba por ser evidenciada pelas últimas cenas do filme. Esta soberba reconstrução familiar é abordada de uma forma muito leve e cuidada. A verdade é que todos os temas do filme são abordados com muita sensibilidade e humor, deixando de fora o recurso a melodramatismos desnecessários ou a elementos excessivamente confusos e intelectuais. É esta leveza e naturalidade que torna “The Descendants” num filme diferente e cativante, que muito dificilmente maçará a sua audiência, no entanto, convém referir que a sua essência cómica e natural não afasta a sua base dramática ou as diferentes nuances emocionais dos seus temas.


O trabalho de Alexander Payne é, uma vez mais, soberbo. Para além de ter criado um enredo leve e cativante, Payne realizou com mestria e criatividade esta obra. A forma humanista e realista como retrata a vida familiar de Matt King é soberba, notando-se claramente a essência de “About Schmidt” (2002) e “Sideways” nas várias movimentações da câmara, que parece estar sempre colada à face dos actores, numa clara tentativa de recolher todas as suas expressões faciais. Os belos e idílico cenários naturais do Havai também reforçam a beleza estética desta obra, que tem no seu elenco um dos seus maiores atractivos. George Clooney está fenomenal como um abastado advogado/latifundiário com um forte sentido moral que subitamente vê o seu mundo ruir, mas que lá consegue dar a volta por cima e superar todas as adversidades familiares e sair de toda esta nefasta situação com uma forte relação com as suas filhas. Clooney soube contrabalançar o drama e o humor inerentes à sua personagem sem muita dificuldade, algo que não está ao alcance de muitos e que prova, uma vez mais, o seu incrível talento e enorme à-vontade à frente das câmaras. No seu elenco secundário também encontramos um belo trabalho da relativamente desconhecida Shailene Woodley, que nos convence como a rebelde Alexandra King. É óbvio que “The Descendants” será o rival de “The Artist” pelo Óscar de Melhor Filme, uma honrosa estatueta dourada que infelizmente só poderá ser atribuída a um destes extraordinários filmes, que acabaram por trazer, à sua maneira, algo de novo e leve à sétima arte. É de louvar mais um belo trabalho de Alexander Payne, que volta a comprovar o seu enorme valor e talento para realizar comédias dramáticas muito interessantes e cativantes.

Classificação – 5 Estrelas Em 5

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