sábado, 6 de novembro de 2010

Crítica - Devil (2010)

Realizado por John Erick Dowdle
Com Chris Messina, Logan Marshall-Green, Jenny O’Hara, Bojana Novakovic

Juntemos cinco personagens anónimas num claustrofóbico elevador de um imponente arranha-céus. Brindemos essas personagens com a inesperada e demoníaca visita do próprio Diabo das profundezas. Com jeitinho, adicionemos ainda uma realização serena de John Erick Dowdle (realizador de “Quarantine” – o remake de “[REC]”) e um argumento com claras influências do visionário M. Night Shyamalan (realizador, produtor e argumentista que dispensa apresentações). Agora misturemos bem os ingredientes com uma colher de pau em formato de cruz invertida. Esta bem que podia ser a receita para o bolo da avó mais maléfico de todos os tempos. Mas não. Muito simplesmente, esta é a estrondosa receita para “Devil” – um dos mais surpreendentes e inteligentes filmes dos últimos anos.
A narrativa põe-nos na pele de cinco personagens que estão prestes a viver o acontecimento mais aterrador das suas vidas. Sem desconfiarem de nada, um mecânico (Marshall-Green), uma senhora idosa (O’Hara), a esposa do dono do arranha-céus (Novakovic), um guarda desse mesmo edifício (Woodbine) e um vendedor de colchões (Arend) entram no elevador número 6 para rumarem aos seus respectivos afazeres. Todos eles escondem um segredo. Todos eles têm o seu passado manchado por pecados incorrigíveis. E neste dia aparentemente normal, neste estreito elevador de um edifício como tantos outros, o Diabo irá atormentá-los até à exaustão, ceifando-lhes sadicamente a vida como forma de castigo por uma existência imoral e repleta de pecados. Aos poucos, cada um deles começa a perceber que algo de muito errado está a acontecer. Confuso e desesperado, o detective que acompanha o caso (Messina) sente-se impotente por nada poder fazer para os ajudar. E, atafulhados num cubículo fechado, cada vez mais aterrorizados com o que lhes está a acontecer, os sobreviventes terão de lutar contra a própria natureza humana para poderem escapar com vida a esta infernal provação.


“Devil” é o primeiro tomo de uma saga que adoptou a designação de “The Night Chronicles”. Como este nome indica, esta será uma saga composta por crónicas saídas da mente fantástica de M. Night Shyamalan, um pouco ao estilo de um bom livro de contos fantasmagóricos. E se as obras que se seguem tiverem tanta qualidade como este “Devil”, “The Night Chronicles” poder-se-á transformar numa saga digna de respeito. Confesso que saí da sala ligeiramente assombrado com o que tinha acabado de visionar. Quanto mais não fosse por se tratar de uma história com o cunho de Shyamalan (um dos meus cineastas de eleição), as minhas expectativas eram relativamente elevadas. Digamos que, no mínimo, estava bastante curioso. Mas muito sinceramente, não estava à espera que “Devil” desflorasse à frente dos meus olhos como uma obra de categoria tão elevada. Tal como referi no início do texto, este é mesmo um dos thrillers mais inteligentes e acutilantes dos últimos tempos. Há muito tempo que não via um thriller do género fantástico que não se espatifasse numa desavergonhada torrente de clichés e narrativas terrivelmente previsíveis. Filmado a cem à hora (no bom sentido da expressão) e com uma maturidade de excelência, “Devil” agarra nos olhos do espectador, enrola-os em fita adesiva e cola-os à tela com uma destreza de que poucos filmes se podem gabar.


Mas vamos por partes. Pegando exactamente na narrativa (escrita por Brian Nelson, mas saída da mente de Shyamalan), é justo dizer-se que “Devil” nunca deixa o espectador adormecer à sombra da bananeira. O ritmo do filme é absolutamente frenético e não existe uma única cena que ali esteja, pura e exclusivamente, para encher chouriços. Todas as sequências são importantes; todos os acontecimentos revelam mais um pormenor que adensa o mistério e espicaça a curiosidade; e tal coisa apenas abona em favor da qualidade geral da película. De forma sempre equilibrada e sem cair no irrisório, a narrativa de “Devil” progride no tempo e o espectador nunca deixa de acreditar nas personagens e na veracidade da terrível situação em que elas se encontram. E isto é algo de uma importância extrema. Algo que pode fazer a diferença entre um bom filme e um filme meramente esforçado.
A realização de John Erick Dowdle é também merecedora de destaque. Um dos grandes desafios de Dowdle era fazer com que o público não saísse da sala com o desejo de que houvesse sido o próprio Shyamalan a dirigir a película. E de forma algo surpreendente, por incrível que pareça, Dowdle conseguiu até fazer esquecer o famoso realizador de origem indiana (apenas até certo ponto, pois ainda assim, o odor de Shyamalan está bem entranhado na fita). Para além de fazer o espectador sentir toda a tensão e todo o pânico que as personagens estão a vivenciar, Dowdle filma também as sequências de intervenção do Diabo com uma mestria de quem idolatra a face mais artística dos filmes de terror. Quando as luzes do elevador começam a piscar, o espectador sabe imediatamente que algo de temível vai acontecer. E quando toda a sala de cinema fica às escuras, o espectador tem o prazer de escutar o medonho trabalho do Diabo em acção, em sequências que têm o dom de evidenciar aquilo que de melhor este género cinematográfico tem para oferecer.


De certa forma, “Devil” é um conto moral sobre a complexidade da alma humana. O asfixiante elevador número 6 assume contornos de autêntico Purgatório e o Diabo trata de castigar aqueles que se mostram pecaminosos, arrogantes e egocêntricos. Ambos os lados da alma humana – o negro e o iluminado – são postos à prova, naquela que é uma das obras mais interessantes e bem arquitectadas dos últimos anos. Aponto-lhe apenas uma nota de ressalva: a forma como se embebe no cliché dos mexicanos religiosos era perfeitamente escusada. Estão agora com a mania de arranjar mexicanos que, através das histórias das suas avozinhas, arranjam sempre uma explicação para o que se está a passar. Já vimos isto em “Drag Me To Hell” e voltamos a vê-lo neste “Devil”. Como se quisessem esconder o facto de que o povo americano é tão ou mais religioso/supersticioso que o mexicano, esforçando-se por dar aquela ideia de que os americanos são já demasiado evoluídos para acreditarem em contos da carochinha… Mas enfim, ignorando este pequeno pormenor, “Devil” não tem muito por onde desiludir. E para gáudio dos fãs de Shyamalan, esta é também uma obra que vem comprovar que o realizador de origem indiana continua a ser um magnífico contador de histórias. Doa a quem doer.

Classificação – 4,5 Estrelas Em 5

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