domingo, 25 de abril de 2010

Crítica - Thirst (2009)

Realizado por Park Chan-wook
Com Song Kang-ho, Kim Ok-bin, Kim Hae-sook

Estreado entre nós no Fantasporto 2010 e tendo levado para casa o Grande Prémio da secção Orient Express desse mesmo festival, esperava-se que “Thirst” – o mais recente trabalho do aclamado realizador sul-coreano Park Chan-wook – aderisse ao circuito comercial com mais pompa e circunstância. Porém, apenas à segunda semana de visionamento, esta competente, original e interessante obra que aborda o tema vampírico de uma forma mais adulta e madura já se encontra em escassas salas de exibição a nível nacional. Não que o filme tenha algum problema grave. O único “incómodo” é ser de origem asiática e, portanto, estar fora daquele tipo de cinema estandardizado a que a maior parte do público está habituado.
De facto, o cinema asiático possui propriedades muito próprias. Ao contrário do cinema que provém da máquina industrial que é Hollywood, aqui não existem grandes efeitos especiais em 3D, nem se tentam criar grandiosos blockbusters onde o que mais importa é o lucro gerado no final. Aqui, louvavelmente, o que mais importa é a qualidade da história contada. Todas as cenas são filmadas com uma atenção enorme aos detalhes, toda a acção se desenrola num passo lento e demorado para que as personagens tenham tempo de se afirmar, evoluir e construir um prisma de realidade credível. Assim sendo, admito que o cinema asiático possa não ser para todos os gostos. Aqui e ali, surgem excentricidades e episódios metafóricos que podem alienar/confundir o espectador mais habituado a argumentos simples e absolutamente claros. Fiel às suas origens asiáticas, “Thirst” é um filme donde se pode retirar mais do que uma conclusão e onde várias análises e pontos de vista são bem-vindos e recebidos de forma salutar. Seja através de cenas com uma belíssima dinâmica e ângulos de câmara fenomenais (como a cómica e delicada cena final), seja pela forma poderosamente sensual como o realizador aborda as cenas de sexo e violência, o fantástico e genial cinema de autor de Park Chan-wook (realizador do envolvente "Oldboy") encontra-se bem vincado e confere a “Thirst” uma originalidade e criatividade artística simplesmente inesquecíveis.


Tal como acontecia na obra-prima sueca “Let The Right One In”, “Thirst” aborda o género cinematográfico dos vampiros de uma forma perfeitamente original, particular e invulgar. Longe da banalidade e leviandade da saga “Twilight” (apesar desta saga ter as suas competências e pontos fortes), “Thirst” encara a temática dos vampiros de uma forma muito mais séria e madura. Apesar de não chegar ao patamar qualitativo do filme sueco, a película de Chan-wook pretende ser mordaz e reflexiva. Basta atender ao facto da sua personagem principal ser um padre que se torna vampiro, para depressa compreendermos que “Thirst” é um filme muito mais profundo do que aquilo que possamos imaginar.
Mas vamos ao enredo. Sang-hyeon (Kang-ho) é um padre que se encontra desencantado com a vida. Tentando imprimir algum sentido de ordem superior à sua existência, o padre decide inscrever-se num programa de análises clínicas onde se oferece como cobaia para sofrer os danos de uma terrível doença sem cura, na esperança de que o seu caso contribua para a descoberta da tão desejada cura. Sang-hyeon é injectado com uma amostra de sangue de proveniência desconhecida e, à medida que a doença (semelhante à lepra) se alastra pelo corpo, ele acaba por falecer. Porém, meros segundos após a declaração do estado de óbito, o padre regressa à vida e toda a comunidade interpreta o sucedido como um milagre. Endeusado pelo povo, Sang-hyeon tenta retomar a vida normal, mas depressa começa a sentir uma enorme fome de sangue. Aterrorizado, o padre chega à conclusão de que, para sobreviver à doença com que foi infectado (o vampirismo), ele terá de renunciar à moralidade da sua profissão, sucumbir aos desejos carnais e alimentar-se de sangue humano. Aí começa uma jornada na qual moralidades serão confrontadas e postas de lado, amizades serão quebradas, e uma relação amorosa terá início. Sang-hyeon acabará por se apaixonar por uma jovem de vinte e poucos anos chamada Tae-ju (Ok-bin), dando início a uma relação que culminará num conflito de interesses e consciências.


Através de uma narrativa reflexiva e metafórica, “Thirst” coloca o espectador nos pés de Sang-hyeon e acompanha-o na desconstrução da sua personalidade outrora repleta de falsas e dúbias moralidades. Quanto mais sangue bebe, mais forte ele se torna; porém, consequentemente, mais a sua alma definha e perde paixão. Incapaz de aceitar o monstro em que se tornou, o padre acaba por abalroar tudo e todos na busca da única redenção possível. E este é o ponto forte da película; a viagem de transformação e desconstrução de Sang-hyeon que irá afectar todos em seu redor de uma forma tragicamente bela e mesmo, em algumas situações, cómica.
Facilmente se compreende que “Thirst” não é para todos os gostos. São mais de duas horas de um cinema muito próprio. Um cinema lento, detalhado e metafórico. Um cinema onde, por vezes, parece que estamos a assistir a uma excêntrica cadeia de acontecimentos semelhantes a uma trágica sessão de ópera nocturna. Um cinema que afasta muitos das salas, mas que merece ser visionado com muita atenção e paciência. Pois o produto que desabrocha no final constitui mais uma pérola vinda do oriente.

Classificação – 4 Estrelas Em 5

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