Realizado por Isabel Coixet
Com Sarah Polley, Tim Robbins, Javier Cámara, Eddie Marsan, Steven Mackintosh
Hanna (Sarah Polley) é a empregada exemplar: em 4 anos de trabalho numa fábrica, nunca chegou atrasada, nunca faltou por doença, nunca tirou férias. Não se relaciona com ninguém, não levanta problemas. Josef (Tim Robbins) sofre um acidente na plataforma petrolífera onde trabalha e fica aí retido até recuperar o suficiente para ser transferido para terra. O acaso vai juntar estas duas pessoas que, à partida, nada têm a ver uma com a outra.
Este filme fala de fantasmas. Dos fantasmas que cada um carrega, com os quais cada um tem de lidar, que cada um tem de enfrentar para deixar o passado para trás e seguir em frente. Com os quais temos de aprender a viver se queremos sobreviver. Fala também de como cada um cria os seus próprios espaços mentais para isolar estes fantasmas, quando não quer enfrentá-los, e por isso é tão importante a acção passar-se numa plataforma petrolífera, isolada do mundo. A plataforma é o espaço mental materializado, é o espaço físico comum a um conjunto de pessoas com demasiados fantasmas, ou fantasmas que infligem demasiada dor. Que quantidade de sofrimento pode suportar um ser humano? Ou quantas ondas pode a plataforma suportar que rebentem contra si antes de ceder? E, se suportar e continuar a suportar, que legitimidade tem em sobreviver se tantas outras plataformas pereceram?
A história decorre ao seu próprio ritmo, sem pressas (Hanna chega à plataforma já passados pelo menos 20 minutos de filme). É-nos dado a conhecer as personagens, os ambientes, para podermos compreender as motivações, os acontecimentos. Todos os espaços (tanto físicos como mentais) são perfeitamente definidos, tal como as camuflagens para esconder esses espaços, as máscaras que cada um enverga para não se dar a conhecer. Inicialmente, quando Hanna chega à plataforma e encontra a sua meia dúzia de ocupantes, estes querem ser deixados em paz, tal como ela. Mas à medida que são obrigados a conviver uns com os outros, em particular durante as refeições preparadas com aprumo pelo sensível cozinheiro, há uma progressiva e mútua abertura, quer seja pela novidade, quer seja pela necessidade. Todos tentam chegar a Hanna, directa ou indirectamente, como se ela, na sua aparente paz, fosse a salvação vinda do exterior, o caminho para a redenção. Como se houvesse, no interior de cada um deles, um conflito permanente entre o desejo de estar só e o desejo de comunicar e partilhar. Como se não soubessem qual dos dois lhes garante a sobrevivência. Todos eles coxeiam pela vida. São pessoas que chegam ao limite de se privarem de todo e qualquer prazer, até o de uma boa refeição, por acharem que não merecem.
No meio de todos estes espaços, há o quarto de Josef. O espaço só dele e de Hanna, onde esta cuida dele. Um espaço para se falar de coisas banais e sem interesse, que escondem coisas importantíssimas, horrores inomináveis e incomensuráveis, revelando-se pouco a pouco, quase por acaso. Onde nenhum deles precisa de se esconder porque há a liberdade daquele que não vê e daquele que não é visto (quem não vê não julga, quem não é visto não é julgado). Onde nasce um intimismo comovente, a partir da revelação dos fantasmas mútuos, uma união que dá sentido à noção do “quero passar o resto dos meus dias contigo, porque desde que estejamos juntos, nenhum carregará o seu fardo sozinho”. Tanto Sarah Polley como Tim Robbins são extraordinários nas suas personificações de dor, a primeira com um aparente controlo e uma subtil intensidade soberbos, o segundo oscilando entre a fanfarronice que esconde a sua fragilidade e a insegurança daquele que sabe que é demasiado imperfeito. A mulher com um passado aterrador que, por fim, baixa as barreiras emocionais e o menino feito homem que ultrapassa o medo de se afogar. Toda a cena da revelação final é de uma intensidade e de uma verosimilhança brutais, tanto a nível de interpretação como a nível de realização. Isabel Coixet soube escolher os planos com precisão para que o impacto sobre o espectador fosse máximo, ao mesmo tempo que ambos os actores assimilam e transpõem toda a dimensão da tragédia das personagens. Até mesmo o espaço físico ganha nova dimensão, quase absorvendo as pessoas e os objectos que acolhe, como se, à semelhança da ruptura dos espaços mentais, também ele se dilatasse, se estendesse, tentando acompanhar os acontecimentos, tentando continuar a conter as mesmas pessoas e os mesmos objectos, apesar de tanta coisa ter mudado.
Para além da exploração das personagens, há ainda um outro tema subjacente: a maldade e crueldade humanas e o seu limite (se é que existe). Os feitos abomináveis na história da Humanidade e a ignorância consciente, dos que não querem saber, ou pensar no assunto, ou tomar medidas para que não volte a acontecer. Com tempo ainda para rever o racismo e a xenofobia e as suas origens. E, por fim, as razões que nos levam a querer relacionar com exemplares da mesma espécie dos que nos causaram sofrimento. É um filme magnífico. Ponto final.
Classificação - 5 Estrelas Em 5
Com Sarah Polley, Tim Robbins, Javier Cámara, Eddie Marsan, Steven Mackintosh
Hanna (Sarah Polley) é a empregada exemplar: em 4 anos de trabalho numa fábrica, nunca chegou atrasada, nunca faltou por doença, nunca tirou férias. Não se relaciona com ninguém, não levanta problemas. Josef (Tim Robbins) sofre um acidente na plataforma petrolífera onde trabalha e fica aí retido até recuperar o suficiente para ser transferido para terra. O acaso vai juntar estas duas pessoas que, à partida, nada têm a ver uma com a outra.
Este filme fala de fantasmas. Dos fantasmas que cada um carrega, com os quais cada um tem de lidar, que cada um tem de enfrentar para deixar o passado para trás e seguir em frente. Com os quais temos de aprender a viver se queremos sobreviver. Fala também de como cada um cria os seus próprios espaços mentais para isolar estes fantasmas, quando não quer enfrentá-los, e por isso é tão importante a acção passar-se numa plataforma petrolífera, isolada do mundo. A plataforma é o espaço mental materializado, é o espaço físico comum a um conjunto de pessoas com demasiados fantasmas, ou fantasmas que infligem demasiada dor. Que quantidade de sofrimento pode suportar um ser humano? Ou quantas ondas pode a plataforma suportar que rebentem contra si antes de ceder? E, se suportar e continuar a suportar, que legitimidade tem em sobreviver se tantas outras plataformas pereceram?
A história decorre ao seu próprio ritmo, sem pressas (Hanna chega à plataforma já passados pelo menos 20 minutos de filme). É-nos dado a conhecer as personagens, os ambientes, para podermos compreender as motivações, os acontecimentos. Todos os espaços (tanto físicos como mentais) são perfeitamente definidos, tal como as camuflagens para esconder esses espaços, as máscaras que cada um enverga para não se dar a conhecer. Inicialmente, quando Hanna chega à plataforma e encontra a sua meia dúzia de ocupantes, estes querem ser deixados em paz, tal como ela. Mas à medida que são obrigados a conviver uns com os outros, em particular durante as refeições preparadas com aprumo pelo sensível cozinheiro, há uma progressiva e mútua abertura, quer seja pela novidade, quer seja pela necessidade. Todos tentam chegar a Hanna, directa ou indirectamente, como se ela, na sua aparente paz, fosse a salvação vinda do exterior, o caminho para a redenção. Como se houvesse, no interior de cada um deles, um conflito permanente entre o desejo de estar só e o desejo de comunicar e partilhar. Como se não soubessem qual dos dois lhes garante a sobrevivência. Todos eles coxeiam pela vida. São pessoas que chegam ao limite de se privarem de todo e qualquer prazer, até o de uma boa refeição, por acharem que não merecem.
No meio de todos estes espaços, há o quarto de Josef. O espaço só dele e de Hanna, onde esta cuida dele. Um espaço para se falar de coisas banais e sem interesse, que escondem coisas importantíssimas, horrores inomináveis e incomensuráveis, revelando-se pouco a pouco, quase por acaso. Onde nenhum deles precisa de se esconder porque há a liberdade daquele que não vê e daquele que não é visto (quem não vê não julga, quem não é visto não é julgado). Onde nasce um intimismo comovente, a partir da revelação dos fantasmas mútuos, uma união que dá sentido à noção do “quero passar o resto dos meus dias contigo, porque desde que estejamos juntos, nenhum carregará o seu fardo sozinho”. Tanto Sarah Polley como Tim Robbins são extraordinários nas suas personificações de dor, a primeira com um aparente controlo e uma subtil intensidade soberbos, o segundo oscilando entre a fanfarronice que esconde a sua fragilidade e a insegurança daquele que sabe que é demasiado imperfeito. A mulher com um passado aterrador que, por fim, baixa as barreiras emocionais e o menino feito homem que ultrapassa o medo de se afogar. Toda a cena da revelação final é de uma intensidade e de uma verosimilhança brutais, tanto a nível de interpretação como a nível de realização. Isabel Coixet soube escolher os planos com precisão para que o impacto sobre o espectador fosse máximo, ao mesmo tempo que ambos os actores assimilam e transpõem toda a dimensão da tragédia das personagens. Até mesmo o espaço físico ganha nova dimensão, quase absorvendo as pessoas e os objectos que acolhe, como se, à semelhança da ruptura dos espaços mentais, também ele se dilatasse, se estendesse, tentando acompanhar os acontecimentos, tentando continuar a conter as mesmas pessoas e os mesmos objectos, apesar de tanta coisa ter mudado.
Para além da exploração das personagens, há ainda um outro tema subjacente: a maldade e crueldade humanas e o seu limite (se é que existe). Os feitos abomináveis na história da Humanidade e a ignorância consciente, dos que não querem saber, ou pensar no assunto, ou tomar medidas para que não volte a acontecer. Com tempo ainda para rever o racismo e a xenofobia e as suas origens. E, por fim, as razões que nos levam a querer relacionar com exemplares da mesma espécie dos que nos causaram sofrimento. É um filme magnífico. Ponto final.
Classificação - 5 Estrelas Em 5
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