Os Óscares deste ano foram diferentes. O investimento da Academia no espectáculo foi indiscutivelmente grande, trazendo todo um conjunto de inovações que trouxeram para a cerimónia maior frescura, maior dinamismo. Foi, parece-me, um ano de renascimentos em que se espera a reconciliação com o público que começava a afastar-se do espectáculo. Este ano, no entanto, fica-me na retina uma figura, Mickey Rourke: mais uma daquelas histórias de queda e redenção que a mitologia americana tanto gosta de promover. Rourke é um daqueles actores emblemáticos, que marcam décadas específicas da história do cinema, quer pelas marcas próprias que deixam nos seus desempenhos, quer pela forma como parecem rumar contra o star-system de Hollywood, mostrando sempre uma postura e um carácter também indissociáveis deles próprios. Um Marlon Brando na década de 60/70 ou um Jack Nickolson na década de 70, deixaram certamente o seu legado no Mickey Rourke dos anos 80/90. Actores rudes, mas sedutores, construções performativas intensas, carácter forte e personalidades individualistas, com ideias próprias, posições bem definidas e, sobretudo diria, doses bem elevadas de loucura. Na memória dos anos 80 e 90 estão certamente imagens do Rourke sex-symbol de 9 ½ weeks (1986), contracenando com Kim Bassinger numa quase reedição do igualmente desconcertante Last Tango in Paris (1972) com Marlon Brando no principal papel. Estarão de igual modo as imagens do actor em Diner (1982), onde a sua personagem Boogie Sheftell inspira toda uma aura de auto-confiança, simplicidade e ao mesmo tempo rebeldia que inspiram. Ou mesmo a singularidade do detective Harry Angel em Angel Heart (1987), de Alan Parker, contracenando com Robert De Niro. De tudo isto, extraímos a personna cinematográfica rebelde que tem a sua repercussão fora da tela. São já famosos os seus excessos. A fama de actor difícil de dirigir, confirmada por inúmeros realizadores com quem já trabalhou, torna o seu percurso de vida ainda mais intrigante. Qualquer biografia do actor, mais ou menos cuidada, evidencia a controvérsia que marcou a sua vida. De pugilista a actor, passando pelo boxe novamente – em 1991 Rourke decide regressar ao pugilismo –, ou por episódios da sua vida privada não tão gloriosos, Mickey Rourke cedo se transforma em mais um dos meninos bonitos de Hollywood caídos em desgraça. É difícil no entanto apontar o momento exacto em que a carreira de Rourke pareceu entrar em queda livre. Durante a década de 80, tudo parecia indicar a ascensão de mais um brilhante jovem actor de Nova Iorque. Porém, más escolhas de carreira cedo transformaram Rourke em personna non grata. Consta mesmo dos registos a sua aparente recusa de papeis principais em filmes tão determinantes como Top Gun, The Untouchables, Rain Man ou 48 hours ou participações em The Silence of The Lambs ou Highlander. Rourke privilegiou filmes mais intimistas como Francesco (1989), ou projectos cinematográficos longe do mainstream como Wild Orchid (1989), num período da história de Hollywood em que o cinema espectáculo começava a atingir o seu auge. Filmes esquecidos pelo público, que, gradualmente, se foi fartando da imagem de enfant-terrible cultivada pelo próprio. A década de 90 seria para Rourke terrível, sendo muitas vezes preterido por outros actores da sua geração simplesmente pela marca sexual que já era colocada em cima de si, que, aliada à imagem do boxeur, o afastaria do cinema feito nos 20 anos seguintes. Rourke dedicou-se durante esse tempo ao boxe de corpo e alma, algo que, de certa forma, o terá ridicularizado junto da critica e do público e que, ironicamente, lhe viria a custar o próprio rosto. Depois de vários combates, um pouco por todo o mundo, Mickey Rourke acabou por ter várias sequelas físicas, sendo obrigado a contratar os serviços de um cirurgião plástico, de forma a minorar os danos sofridos. Contudo, a solução não terá sido a melhor, já que as operações não terão corrido bem, deixando marcas profundas que o desfiguraram ligeiramente. Algo que, destruiu em muito a imagem galante que o público lhe associava. Relações pessoais falhadas, anos de reclusão na sua própria casa, levaram ao inevitável afastamento da ribalta. Agora, a sua carreira parece estar a ressuscitar, imitando a velha mitologia da cultura americana do renascimento pessoal, das segundas oportunidades e das histórias de fantasia. A questão que se coloca agora é se terá Rourke o fulgor necessário. The Wrestler, de Darren Aronofsky não é, quanto a mim, uma grande prova desse ressurgimento enquanto actor. É uma história de vida que parece resumir metaforicamente o seu percurso, estando o seu desempenho muito ligado à sua própria personna artística. A comprovar, ou não, o ressurgimento do emblemático actor estarão um conjunto de participações importantes que estarão a caminho das salas de cinema. Rourke participará em alguns filmes mais mainstream que, mais ou menos interessantes, poderão recolocar o actor em Hollywood de pleno direito. Já estreado nos EUA temos Killshot, com Rourke ao lado de Diane Lane, depois o projectado blockbuster de Sylvester Stallone, The Expendables (em pré-produção, a estrear em 2010) – com o prometido cameo de Arnold Schwarzenegger –, em que Rourke terá um papel importante ou ainda – e talvez o papel que o relançará –, The Informers (2009) em que veremos a reedição do par Rourke/Basinger. Algumas das películas em que poderemos rever Mickey Rourke no seu melhor:
Diner (1982), de Barry Levinson, com Kevin Bacon, Daniel Stern, Steve Guttenberg, Paul Reiser
The Pope of Greenwitch Village (1984), de Stuart Rosenberg, com Eric Roberts
Angel Heart (1987), de Alan Parker, com Lisa Bonet e Robert DeNiro
Barfly (1987), de Barbet Schroeder, com Faye Dunaway
9 1/2 Weeks (1986), de Adrian Lyne com Kim Basinger
0 comentários :
Postar um comentário